Sejamos realistas, procuremos o impossível


Em Portugal e no mundo, a geração do pós-guerra é a primeira, em muitos séculos, que deixa aos seus filhos e netos um mundo mais pobre do que aquele que herdou dos seus pais


Quis o destino que Cascais fosse simultaneamente Capital Europeia da Juventude e Capital das Cidades Educadoras.

Isso determina muito do debate que temos no nosso território. Em Cascais somos muito realistas: pedimos o impossível. A frase cheira a Maio de 68.

A frase é Maio de 68 em Novembro de 2018.

Perguntará o leitor: porque é que 50 anos depois voltamos ao grito das ruas de Paris?

A resposta é simples mas aponta para problemas complexos. É que agora, tal como então, há entre os jovens um sentimento generalizado de oposição à política.

Mais do que não encontrarem o seu lugar no sistema representativo, os jovens creem que ele há muito que os deixou de representar as suas ambições e as suas preocupações.

O pior é que não são apenas os jovens que nutrem este tipo de sentimento, roçando a aversão ao governo representativo. Ele é transversal a todas as faixas etárias e a todos os estratos sociais, em todas as latitudes democráticas do mundo.

Que ninguém se surpreenda, por isso, com os fenómenos de intolerância e radicalismo que brotam do interior da nossa ordem demo-liberal.

O mais paradoxal é que isto acontece no tempo em que o mundo está, supostamente, mais interligado, mais participado e mais informado.

Pode acontecer que a era do conhecimento seja, no fim do dia, a era da ignorância. Tal constatação seria trágica. Todavia, caminhamos para lá chegar.

Há dias, em Cascais, ouvia Daniel Traça, Dean da NOVA School of Business and Economics, citar Charles Dickens.

“Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez; foi a época da crença, foi a época da descrença; foi a estação da Luz e foi a estação das trevas; foi a primavera da esperança e o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, não tínhamos nada diante de nós; íamos todos diretos ao Paraíso; íamos todos em sentido contrário.”

Encontramos no “Conto das duas cidades” a imagem perfeita dos nossos dias.

Nunca estivemos tão ligados uns aos outros pela tecnologia e simultaneamente tão afastados uns dos outros.

Nunca tivemos tanto conhecimento ao nosso alcance, porém nunca fomos tão ignorantes sobre os assuntos dos outros, e dos outros no nosso mundo.

Nunca acreditámos tanto que sabíamos sem saber que acreditávamos.

A boa notícia é que ainda há tempo para desequilibrar a equação para o lado certo da história. E não tenho dúvidas de que serão os decisores políticos da cidade, os localistas, os mais preparados e os mais capazes de protagonizar esse desequilíbrio benigno em favor da tolerância, da cidadania e da prosperidade globais.

O desafio colocado pela intolerância, pela segregação e pelos radicalismos, impele-nos a redescobrir a forma de reproduzir a função ‘educadora’ da cidade, alinhada com os valores intemporais da civilização.

Para que sejamos bem-sucedidos nesse esforço de reconciliação dos cidadãos com o sistema democrático, importa fazermos duas coisas. Primeiro é preciso perceber que houve uma geração que falhou. Em Portugal e no mundo, a geração do pós-guerra é a primeira, em muitos séculos, que deixa aos seus filhos e netos um mundo mais pobre do que aquele que essa geração herdou dos seus pais. Ora admitir este fracasso é a melhor forma de conquistar credibilidade e confiança para liderar a mudança.

E essa é precisamente a segunda coisa que é preciso fazer: liderar, mudar. Liderar e mudar a partir daquela que é a mais decisiva unidade política do século XXI – a cidade. Repare-se na volta que a história deu: durante séculos os homens encontraram nas cidades-estado a melhor forma de governo. Depois vieram os impérios. E por fim, os Estados Nação. O poder das cidades no nosso tempo sugere que voltam a ser as cidades a forma de governo mais adaptada ao homem democrático e humanista.

O espaço da cidade é vital na formação daqueles que estão em relação simbiótica consigo mesma. Os cidadãos. Isto é o mesmo que dizer que quanto mais livre, tolerante e participada for uma cidade, mais livres, tolerantes e ativos serão os seus cidadãos. Por isso, como já aqui o escrevi, tenho a certeza que o somatório de pequenas cidades educadoras libres, plurais e democráticas terá como resultado uma grande ordem livre, plural e democrática.

É este, hoje, o grande contribuo que a polis pode dar ao mundo.

Tal implica que os autarcas tenham uma perceção sobre o seu papel no mundo. Há muitos, incluindo nós em Cascais, que querem afirmar-se na arena competitiva através na inovação tecnológica. Isso é excelente e necessário. Mas, no fim do dia, é a confiança das pessoas nas instituições, é a participação cívica e escrutínio sobre o governo, aquilo que é mais decisivo para situar as cidades do lado certo do arco da história.

Isso não se faz só com tecnologia. Faz-se com diálogo, olhos nos olhos. Faz-se com sentido de missão. Faz-se com propósito.

Vamos, por um momento, pôr de lado os iPads e os iPhones. As redes sociais e a internet. Tudo isso interessa mas nada disso importa. Porque a tecnologia não fará por nós aquilo que nós não quisermos que ela faça.

Precisamos de querer. Querer mudar o nosso bairro. Querer mudar a nossa cidade e o nosso país. E, querendo mesmo muito, querer mudar a Europa.

Porque como dizia Santo Agostinho, “nada está tão em poder da vontade como a própria vontade.”

Voltemos a ser capazes de construir projetos comuns de paz, concórdia e prosperidade. Voltemos a ser capazes de sonhar com a utopia. Tenha ela a forma de vila, cidade ou continente como a nossa Europa.

Sejamos realistas. Procuremos o impossível.

 

Escreve à quarta-feira