Como ajudar as crianças do Iémen


Amal tornou-se um dos rostos do sofrimento de milhões de famílias num país onde 80% das crianças precisam de ajuda humanitária. Haverá forma de o dinheiro valer mais?


“Não tinha dinheiro para a levar ao hospital, por isso trouxe-a para casa.” A frase da mãe de Amal não me saiu da cabeça toda a semana. A menina iemenita de sete anos, que se tornou um dos rostos do desespero de milhões de famílias num conflito longínquo comandado por Arábia Saudita e Irão, acabou por morrer dias depois da publicação do artigo no “New York Times”. Era pele e osso, escreveu o jornal, justificando que, mesmo assim, tinha de a mostrar, como tinha de mostrar todas as outras crianças, algumas bebés de meses condenados a morrer de fome, diarreia e desidratação naquela que a ONU já declarou a pior crise humanitária no planeta.

Amal morreu no campo de refugiados onde vivia com a família. Estava internada quando foi fotografada pelos repórteres do “NYT”, mas acabou por ser enviada para casa para dar lugar a outros doentes. Um dos médicos do campo sugeriu aos pais que levassem a criança ao hospital dos Médicos Sem Fronteiras, a 15 milhas de distância, mas a família não tinha dinheiro para a gasolina. Eram 25 quilómetros que podiam ter-lhe salvo a vida.

Perante isto, vivemos num paraíso, mas não podemos ficar indiferentes. Segundo a UNICEF, 11 milhões de crianças, 80% das crianças do Iémen, precisam de ajuda humanitária para sobreviver. Há miúdos a morrer todos os dias nas condições mais degradantes, perante a impotência dos pais, muitos deles também doentes, como estava a mãe de Amal, a recuperar da febre de dengue. Pelo menos 400 mil crianças estão num ponto de subnutrição severa, como estava Amal. A cada dez minutos morre uma criança por falta de alimentos ou doenças preveníveis. Em três meses, se o conflito não for travado, será a maior fome em massa dos últimos 100 anos, avisou a ONU no início de outubro. Passou um mês.

O que podemos fazer? Se à diplomacia caberá a parte de fogo, as organizações não governamentais no terreno têm estado a multiplicar os apelos. A UNICEF pede donativos que estão a ser convertidos em ações concretas de assistência alimentar e cuidados de saúde. Um donativo de 40 euros garante um kit de água e higiene para uma família; com 68,75 euros estaremos a financiar o tratamento de um quadro de subnutrição severa aguda a três crianças; com 96 euros, a UNICEF pode fornecer 1300 saquetas de reidratação oral. Prestes a entrar, deste lado do mundo, numa época de consumismo, haverá forma de o nosso dinheiro valer mais?

É possível ainda fazer donativos para a Save The Children, que perdeu nos últimos dias uma das suas farmácias de medicamentos life-saving num ataque em Hodeidah. Os Médicos Sem Fronteiras, a braços com um cada vez maior número de feridos, dão apoio a 12 hospitais no país e tiveram de fechar uma das dependências por falta de segurança. A Cruz Vermelha Internacional e a Oxfam são outras organizações com campanhas de angariação de fundos ativas.

Já depois das imagens do “NYT” – que gostávamos de não ver e que se revelaram, mais uma vez, necessárias para recentrar a atenção mundial –, Angelina Jolie, enviada especial da Agência da ONU para Refugiados, pediu um cessar-fogo duradouro e assumiu que a comunidade internacional tem sido lenta a reagir. O resultado é um país à fome e a enfrentar a pior epidemia de cólera do mundo em décadas, disse. Geert Cappelaere, diretor regional da UNICEF para o Médio Oriente e Norte de África, dedicou uma conferência de imprensa a Amal e deixou um aviso: o Iémen é um inferno, não para 50% ou 60% das crianças, mas para cada um dos rapazes e raparigas do país. Alguns lembraram que Amal, em árabe, significa esperança. Mesmo que seja com pouco, podemos tentar ajudar a construí-la.

Jornalista

Escreve à sexta-feira