A recente ameaça terrorista contra a CNN, a ameaça de proibição de publicação da “Folha de S. Paulo”, os atentados e os sucessivos assassinatos de jornalistas em diversos países deveriam fazer- -nos pensar seriamente acerca do clima de intimidação que pende sobre a comunicação social.
Se aliarmos a tais factos a circunstância de muitos responsáveis políticos começarem a corresponder-se com os cidadãos dos seus países, não através dos meios de comunicação social tradicionais, mas por via direta e das redes sociais – o que evita a mediação e a apreciação crítica, imediata e autorizada, sobre o conteúdo das mensagens transmitidas –, perceberemos que algo de novo e não muito bom se passa no reino da Dinamarca.
Se, de um lado, os média tradicionais e os seus jornalistas ainda parecem influentes e, por isso, perigosos – daí os ataques sofridos –, de outro, perfilam- -se já as estratégias de poder e os instrumentos que hão de substituí-los sem sangue.
A razão de ser da concomitância de tais ocorrências não parece difícil de conceber: para muitos poderes, uma informação isenta, esclarecida e esclarecedora constitui um perigo que importa afastar.
E, todavia, parece imprescindível meditar também nas causas que terão levado muitos cidadãos a substituírem, voluntariamente, a informação mediada pelos órgãos de comunicação tradicionais pela notícia direta – falsa ou não –, comentada por outros que julgam ser seus semelhantes e, por isso, mais honestos.
No fundo, tudo parece indicar que muitos cidadãos não reconhecem já legitimidade aos média tradicionais para os ajudar a pensar o mundo.
Porque sucederá?
Muitas serão as razões e algumas configuram mesmo as estratégias delineadas para que tal aconteça.
Em todo o caso, não poderemos deixar de olhar também para esses “velhos média” e procurar ver neles algumas das causas que originaram a desconfiança cidadã atual.
Quem atentar bem na maneira como muitos de tais órgãos de informação organizam, por exemplo, debates e entrevistas sobre assuntos momentosos da vida política e social só pode ficar estarrecido.
Somos todos confrontados, quase sempre, com os pontos de vista dos mesmos setores sociais e a sua maneira de encarar o mundo: a daqueles que nele exercem poder.
Somos, quase sempre, manipulados pelos comentários, orientadores da leitura dos factos, produzidos pelos próprios jornalistas, comentários que explicam, contrariando frequentemente, o que o entrevistado ou o participante num debate disseram, se a sua intervenção não corresponder ao pensamento dominante e que eles deviam expressar.
Somos, com demasiada frequência, esmagados pela notícia e a discussão incessante de minudências político- -sociais que apenas afastam a atenção dos cidadãos das ideias e questões verdadeiramente relevantes que interessam ao mundo, ao país, e influem nas vidas de todos nós – nunca saberemos ao certo se por estratégia comunicacional assumida, se recado soprado, ou, ainda, devido apenas à mais singela falta de discernimento.
E tudo isto é ainda feito com sobranceria por profissionais autoconvencidos, pouco preparados, sem memória crítica e incapazes, assim, de apreender o real sentido das notícias que transmitem e, em muitos casos, comentam com leviandade, por conta própria.
Perante um tal panorama – que nem sequer está aqui pintado de uma maneira drástica –, talvez possamos perceber melhor a deslegitimação acumulada pelos média e a deriva de muitos cidadãos para as redes sociais, que julgam melhor exprimir os seus pontos de vista e os interesses dos seus iguais.
Só que também estas redes podem e são, de facto, manipuladas e, quase sempre, com mais facilidade do que os velhos média.
Escreve à terça-feira