Em defesa das ideologias


A ideologia garante uma matriz de ação política, profissional e ética que é essenciala todo e qualquer cidadão para se posicionar perante a sociedade


Este texto não é sobre habitação, mas a reflexão a que se permitirá não é alheia à polémica escolha do PS de substituir Helena Roseta por Hugo Pires no Grupo de Trabalho – Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades. Para quem não acompanhou esta polémica, resumiria numa frase que se trata da substituição de uma arquiteta que há mais de 40 anos é uma ativista do direito à habitação em Portugal por outro arquiteto cujo conhecimento na área provém de ser detentor de uma empresa que se dedica ao imobiliário e ao alojamento local.

Entenda-se que, num contexto ideal e depois de esclarecida a questão das incompatibilidades, que o próprio deputado solicitou que se averiguasse, esta substituição não deveria intranquilizar–nos. A alteração de deputado não deveria significar uma alteração de condução política de um partido se as posições passadas fossem alicerçadas em processos coletivos e se a identidade entre os seus deputados fosse pautada por uma matriz ideológica forte e comum. Contudo, sabemos que isso não se verifica, sobretudo em partidos como o PS e PSD, tantas vezes barrigas de aluguer de diferentes e divergentes interesses.

Afastando-me do caso em concreto, até porque nunca tinha ouvido falar de Hugo Pires até à data, interessa-me particularmente contrariar o discurso anti–ideologias que tem vindo a implantar–se na praça pública. A ideologia garante uma matriz de ação política, profissional e ética que é essencial a todo e qualquer cidadão para se posicionar perante a sociedade. Não quero com isto dizer que cada um de nós se deva declarar inscrito num “-ismo”, mas que teríamos muito a ganhar se cada um fosse procurando que as suas ações – políticas, profissionais ou pessoais – reproduzissem uma matriz coerente. E também não quero dizer que a definição ideológica limite ou crie barreiras de comunicação ou de trabalho com pessoas de outros campos. Bem pelo contrário! A definição torna mais claro o quadro de valores em que se estruturam as relações.

Aquilo a que vimos assistindo, dos governos ao parlamento e na maioria das forças políticas, é à chegada de muitos cidadãos desapaixonados pela ideologia – que implica estudo, coerência e escolhas que, tantas vezes, não facilitam a vida profissional e pessoal – e convictos de que a política se resume ao exercício de poderes. Abdicando do sonho que qualquer ideologia transporta, assume-se a política como mera gestão de interesses e poderes. Corrupção ou nepotismo são consequências primárias de todas as formas de fazer política sem ideologia e, como se vê em todo o mundo, criam autoestradas para os neofascismos. 

 

Escreve às segundas-feiras 
 


Em defesa das ideologias


A ideologia garante uma matriz de ação política, profissional e ética que é essenciala todo e qualquer cidadão para se posicionar perante a sociedade


Este texto não é sobre habitação, mas a reflexão a que se permitirá não é alheia à polémica escolha do PS de substituir Helena Roseta por Hugo Pires no Grupo de Trabalho – Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades. Para quem não acompanhou esta polémica, resumiria numa frase que se trata da substituição de uma arquiteta que há mais de 40 anos é uma ativista do direito à habitação em Portugal por outro arquiteto cujo conhecimento na área provém de ser detentor de uma empresa que se dedica ao imobiliário e ao alojamento local.

Entenda-se que, num contexto ideal e depois de esclarecida a questão das incompatibilidades, que o próprio deputado solicitou que se averiguasse, esta substituição não deveria intranquilizar–nos. A alteração de deputado não deveria significar uma alteração de condução política de um partido se as posições passadas fossem alicerçadas em processos coletivos e se a identidade entre os seus deputados fosse pautada por uma matriz ideológica forte e comum. Contudo, sabemos que isso não se verifica, sobretudo em partidos como o PS e PSD, tantas vezes barrigas de aluguer de diferentes e divergentes interesses.

Afastando-me do caso em concreto, até porque nunca tinha ouvido falar de Hugo Pires até à data, interessa-me particularmente contrariar o discurso anti–ideologias que tem vindo a implantar–se na praça pública. A ideologia garante uma matriz de ação política, profissional e ética que é essencial a todo e qualquer cidadão para se posicionar perante a sociedade. Não quero com isto dizer que cada um de nós se deva declarar inscrito num “-ismo”, mas que teríamos muito a ganhar se cada um fosse procurando que as suas ações – políticas, profissionais ou pessoais – reproduzissem uma matriz coerente. E também não quero dizer que a definição ideológica limite ou crie barreiras de comunicação ou de trabalho com pessoas de outros campos. Bem pelo contrário! A definição torna mais claro o quadro de valores em que se estruturam as relações.

Aquilo a que vimos assistindo, dos governos ao parlamento e na maioria das forças políticas, é à chegada de muitos cidadãos desapaixonados pela ideologia – que implica estudo, coerência e escolhas que, tantas vezes, não facilitam a vida profissional e pessoal – e convictos de que a política se resume ao exercício de poderes. Abdicando do sonho que qualquer ideologia transporta, assume-se a política como mera gestão de interesses e poderes. Corrupção ou nepotismo são consequências primárias de todas as formas de fazer política sem ideologia e, como se vê em todo o mundo, criam autoestradas para os neofascismos. 

 

Escreve às segundas-feiras