O PT merece o fenómeno Bolsonaro, o Brasil é que não


Em Portugal e no mundo, muito se tem questionado como é que um candidato de extrema-direita como Bolsonaro, que incita à violência e faz comentários homofóbicos e desrespeitadores das mulheres, pode estar à frente na corrida pelo futuro do Brasil. Mas esta corrida é encarada como sendo contra os graves problemas que o PT criou…


Há poucas coisas no Brasil de que não gosto. E a maioria tem vindo à tona neste período de eleições. Sobretudo a intolerância e a violência, que são a base de muitos outros problemas naquele país. Não queria ser brasileiro nesta altura, ter a responsabilidade de ter de escolher entre um candidato de um partido que nos últimos anos mostrou não ser alternativa à corrupção, à imoralidade, ao desrespeito pelo povo, e um candidato de um partido que incentiva à violência, que faz comentários sexistas e que promete um Brasil mais distante dos ideais democráticos – quem pode concordar com isto?

Mas, numa altura em que o descrédito nas instituições democráticas é muito alto, entende-se que o segundo, Jair Bolsonaro, esteja à frente nas sondagens.

Brasileiros – alguns até grandes amigos – que até há uns anos encaravam Bolsonaro como um político de extrema-direita que nunca deveria chegar ao poder veem-no agora como a única solução para tirar o país do marasmo em que o PT o deixou – não se podem excluir aqui as responsabilidades de Michel Temer, o número dois de Dilma Rousseff, que assim que teve oportunidade lhe deu uma facada nas costas, ficando no cargo de presidente.

O desalento e o sentimento de falta de oportunidades de quem vive naquele país, mergulhado numa grave crise económica e financeira, fazem com que Bolsonaro surja como uma alternativa, um caminho perigoso que as novas gerações já não conheceram e de que as mais velhas já se esqueceram. A impotência de quem vive num país que, nas grandes metrópoles, falhou no domínio de áreas de ninguém (as favelas estão novamente nas mãos dos traficantes), e no interior falhou nos apoios sociais e na defesa dos mais desfavorecidos, faz com que Bolsonaro surja como um salvador. Não um salvador do país – porque isso nunca será, bem pelo contrário –, nem da crise, nem da violência. Mas um salvador do PT, dos problemas do presente e do passado recente. É aqui que se jogam estas eleições.

Em Portugal e no resto do mundo, muito se questiona como é que um homem como Bolsonaro, que já incitou à violência (ainda que nos últimos dias pareça estar a recuar) e fez comentários homofóbicos e que desrespeitam as mulheres possa estar à frente na corrida pelo futuro do país. Questiona-se como é que os seus ideais ganharam espaço num território que nos é tão próximo, mas que nisto nos é tão distante.

Certo é que muitas pessoas que no dia 28 votarão Bolsonaro nunca votariam nele há uns anos, antes de serem descobertos muitos dos escândalos de corrupção do PT, antes de a Lava Jato ter tomado as proporções que tomou. Eram, aliás, contra os seus ideais. O fenómeno Bolsonaro é fruto de um país que se vê sem saída, de uma sociedade polarizada entre esquerda e direita, intolerante e com muitos nichos permeáveis à manipulação, porque pouco escolarizados.

E Fernando Haddad, o candidato do PT, já percebeu o peso que tem em cima das costas. Um peso que é mais que o da corrupção, é o de um partido que, tendo prometido acabar com os esquemas de Brasília em nome do povo, perpetuou o crime – como mostram casos como o Mensalão e a Lava Jato. É certo que os outros também fazem e sempre o fizeram, mas uma das bandeiras do PT era acabar com isso. E o “isso” é a corrupção e o compadrio, geradores de tantas desigualdades. Mas será possível neste momento um distanciamento de Haddad em relação a Lula da Silva para segurar quem na esquerda não quer pactuar com a corrupção? Já me parece tarde demais.

O que está a acontecer no outro lado do Atlântico é muito complexo e perigoso, seja qual for o desfecho. Mas uma coisa parece-me certa: o PT merece o fenómeno Bolsonaro, o Brasil é que não. Aquele país merecia bem melhor.

 

Jornalista