A hipótese de eleições antecipadas


A paz social desapareceu com a multiplicação de reivindicações, greves e manifestações por parte dos mais diversos sectores. Ontem foram os táxis a paralisar as cidades. Hoje são os polícias a protestar e os professores e os transportes públicos a voltarem às greves. Amanhã será qualquer outro sector a juntar-se aos protestos


Parece claro que neste momento a geringonça passou à fase da guerrilha, com a multiplicação de ataques entre os partidos que a compõem. É preciso não esquecer que esta solução do governo tinha como pressupostos essenciais que a maioria de esquerda não apenas asseguraria a viabilização do governo no parlamento, em momentos críticos como as moções de censura e o Orçamento do Estado, como também garantiria a paz social nas ruas, evitando as greves e manifestações por parte dos sindicatos. Efectivamente, um governo com uma legitimidade eleitoral muito reduzida só tem condições para governar se dispuser simultaneamente de apoio parlamentar garantido e de paz social.

Ora, qualquer destes pressupostos está neste momento posto em causa. Em primeiro lugar a paz social desapareceu com a multiplicação de reivindicações, greves e manifestações por parte dos mais diversos sectores. Ontem foram os táxis a paralisar as cidades. Hoje são os polícias a protestar e os professores e os transportes públicos a voltarem às greves. Amanhã será qualquer outro sector a juntar-se aos protestos, uma vez que já se verificou que as tréguas sindicais que o PCP impôs nos últimos tempos acabaram. A paz social está assim perdida e a partir de agora o governo vai ter que enfrentar a contestação nas ruas.

Mas também a viabilização do orçamento deixou de estar assegurada pela geringonça. Jerónimo de Sousa já afirma que é preciso um novo governo e Catarina Martins dá entrevistas a garantir que o voto do BE a favor do orçamento depende de serem satisfeitas as reivindicações dos professores. Estes partidos estão assim a fazer ameaças veladas em relação à não aprovação do orçamento, que a qualquer momento se podem tornar efectivas. E a verdade é que tanto o BE como o PCP têm razão para se sentir enganados na geringonça já que, nos anos anteriores, usando as cativações, Centeno acabou por tornar ineficazes as exigências de verbas para certos sectores que esses partidos tinham imposto. A rejeição do orçamento será um passo arriscado por parte desses partidos, num quadro em que todas as sondagens favorecem o PS, mas poderá ser visto pelos próprios como uma forma de os retirar do impasse político em que se encontram, e que se irá seguramente acentuar nos próximos tempos.

Se a geringonça não aprovar o próximo Orçamento do Estado, resta saber se o PSD de Rui Rio o fará. Ao contrário do CDS, que já declarou com clareza que em caso algum votaria a favor de um orçamento deste governo, Rui Rio reservou-se para depois de conhecer o documento. Mas a verdade é que a aprovação de um orçamento deste governo pelo principal partido da oposição, depois de os partidos que o apoiam terem debandado, seria um acto absolutamente incompreensível em termos políticos. Numa altura em que se assiste no PSD a uma verdadeira cisão, com a constante saída de militantes, a pior mensagem que Rui Rio poderia transmitir seria precisamente este alinhamento com António Costa, que destruiria até às eleições do próximo ano qualquer possibilidade de o PSD fazer oposição ao governo. Já pelo contrário a realização de eleições neste momento esvaziaria a contestação interna e retiraria tempo a Santana Lopes para consolidar a sua Aliança. É assim manifesto que para o PSD eleições agora seriam sempre um mal menor.

Já para o PS de António Costa a realização de eleições neste momento seria ouro sobre azul. Evitaria um ano de contestação no parlamento e nas ruas por parte dos seus antigos parceiros, e faria eleições num momento particularmente favorável, antes de surgir uma nova crise, cujos sinais já se adivinham no horizonte. Não seria, por isso, de espantar que António Costa tirasse completamente o tapete aos seus parceiros da geringonça no orçamento para os forçar a eleições agora.

É claro que a marcação de eleições depende de Marcelo aceitar dissolver o parlamento neste momento. Mas Marcelo já anunciou publicamente que haveria eleições em caso de chumbo no Orçamento do Estado, pelo que está de mãos atadas relativamente à sua possibilidade de dar outra resposta nesse cenário. António Costa tem, neste momento, a faca e o queijo na mão em termos políticos. O futuro calendário eleitoral depende assim integralmente do orçamento que vai apresentar.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção

das regras do acordo ortográfico de 1990