Na minha recente estadia em Lisboa, fui surpreendido pela notícia dos muitos magistrados do Ministério Público (MP) que pretendem rapidamente jubilar-se ou concorrer para o lugar de juiz em tribunais superiores.
Muitos deles ocupando, inclusive, lugares de grande responsabilidade a nível nacional e regional.
A dificuldade de segurar os quadros mais experimentados não é uma novidade no MP.
Toda a geração que ajudou a construir o MP da democracia decidiu, a dado momento, abandonar os quadros desta magistratura e ingressar na judicatura.
Já na altura, a questão foi alvo de preocupação e congeminações várias.
No fundo, o que então se revelou, como agora, foi o insucesso de o MP na superação da síndroma da vestibularidade que sempre o havia caracterizado face à judicatura.
Isto, mesmo que, depois da instauração da democracia, esse fenómeno tivesse começado a suceder, sobretudo, ao nível do ingresso nos tribunais superiores.
Não se trata, agora, da renúncia dos fundadores do MP democrático, mas antes daquela geração por eles formada e que deu corpo à aventura de criar uma magistratura de iniciativa, institucionalmente autónoma e composta por verdadeiros magistrados, prosseguindo a sua função de acordo com elevados critérios de independência e responsabilidade e dotados, ainda, de uma autêntica cultura judicial na abordagem dos processos.
Muitas serão as causas para que, em determinados momentos da vida do MP, se acelerem e concretizem tais vagas de abandono.
Algumas têm a ver apenas com preocupações relacionadas com as alterações e deterioração do estatuto sócio profissional; outras com o cansaço gerado por uma atividade frequentemente demasiado rotineira; outras, ainda, com a ausência de estruturas funcionais capazes de aproveitar o saber e a experiência dos magistrados mais antigos e, por fim, com modelos muito personalizados de escolha e acesso a lugares de chefia e quase sempre à margem do método republicano do concurso.
Razões de sobra, em todo o caso, para se começar de novo, em meu entender, a pensar seriamente em formas, mesmo que mitigadas, de permeabilização das carreiras das magistraturas, como acontece em França, Itália, Bélgica e mesmo, em moldes diferentes, na Alemanha e na Áustria.
O problema não é o de o atual MP não possuir magistrados novos e tecnicamente muito bem apetrechados.
A questão está, se assim podemos dizer, no “desaconchego” institucional em que estes ficam.
Como recentemente comentou o renomado biólogo, fisiologista, biofísico e biogeógrafo Jared Diamond, em entrevista ao “Público”, é importante que a nossa sociedade saiba tirar mais partido dos mais idosos e experientes.
Os idosos, diz, podem não ter a mesma facilidade de lidar com novas tecnologias, mas isso não lhes retira as vantagens da aprendizagem que fizeram ao longo da vida, no que respeita às relações humanas.
Ora, a matéria da Justiça versa, no essencial, sobre relações humanas.
Este será, portanto, um problema que a nova procuradora-geral da República terá, desde logo, que enfrentar.
Muitas das soluções para lhe fazer face dependem do afinamento das respostas que se encontram previstas no Estatuto pensado pela atual ministra da Justiça, em conjunto com Joana Marques Vidal, e que pende ainda para discussão na Assembleia da República.
Todavia, como todos sabemos, a superação das dificuldades que geram a necessidade de uma lei nova, não depende apenas do que nela se diz; é preciso que os que a hão-de aplicar o façam imbuídos do seu espírito. Só assim vingam de facto as leis novas.
Este é, porventura, o maior desafio que a nova liderança do MP terá de enfrentar.
Escreve à terça-feira