O novo estatuto do MP: a arquitetura funcional e a hierarquia


É na aceitação e desenvolvimento da dinâmica de trabalho coletivo, própria de uma magistratura como o MP, que a proposta de estatuto avança e inova decisivamente


Em texto anterior, salientámos a relevância da introdução da carreira plana como instrumento fundamental de autogestão e dignificação da carreira dos magistrados e como ferramenta essencial à eficiente governação dos quadros do Ministério Público (MP).

Tal “revolução” na dinâmica da vida profissional de cada um dos magistrados e da administração funcional do seu corpo não podia pretender nem significar, porém, a subversão dos princípios constitucionais estruturantes do MP, designadamente o facto de se tratar de uma magistratura hierarquizada e responsável.

Nesse sentido, é importante salientar a proposta de clarificação e melhor definição dos poderes hierárquicos de natureza processual dos diferentes escalões dirigentes das estruturas do MP, única maneira de poderem ser efetivadas, devidamente, as correspondentes e necessárias responsabilidades.

Tal clarificação era indispensável neste momento mesmo que, depois, a nível processual, seja porventura importante esclarecer melhor os poderes hierárquicos de intervenção referentes a certos atos e despachos não finais, mas que contendem, ainda assim, com importantes direitos e garantias dos cidadãos.

Uma única questão nos parece, nesta sede, necessitar ainda de aclaração: refiro-me à questão da definição concreta da titularidade processual e, portanto, com a clarificação da responsabilidade individual de cada magistrado no âmbito das equipas que hão de lidar com um mesmo processo.

Este assunto é tão mais importante quanto se relaciona diretamente, também, com o seu regime de impedimentos e suspeições processuais e, portanto, com a sua qualidade de magistrados.

Existe, com efeito, o risco palpável de, através da aceitação implícita de uma rarefeita de um processo, se poder, pela intervenção imprópria de um único dos membros da equipa, frustrar eventualmente o sucesso do trabalho global de todos.

Mas é precisamente na aceitação e de-senvolvimento desta dinâmica de trabalho coletivo, própria de uma magistratura como o MP, que a proposta de estatuto avança e inova decisivamente, garantindo-lhe instrumentos indispensáveis a um mais correto e coerente desempenho funcional.

Refiro-me à criação do departamento central de contencioso do Estado e interesses coletivos e difusos, e à previsão de idênticos departamentos regionais, bem como, nos DIAP, à possibilidade de serem criadas equipas de investigação e unidades de missão, ou, ainda e noutro plano, de equipas de magistrados para a intervenção integrada em jurisdições distintas.

Com efeito, era tempo de o MP poder começar a pensar as suas funções de uma maneira integrada, tendo em vista não apenas a solução de cada processo por si, mas a defesa coerente, e em distintas jurisdições, dos interesses concorrentes que lhe estão confiados.

Só assim, também, a responsabilidade da ação do MP se pode efetivar devidamente.

Todas estas alterações, bem como as que se relacionam com a definição de um quadro de infrações disciplinares adequado ao desempenho funcional dos magistrados, constituem avanços que, mesmo quando discutíveis a nível do pormenor, devem ser salientados como muito positivos.

Importante é, por isso, que por razões também elas consistentes e justas mas que, afinal, se prendem globalmente com as aspirações de todos os portugueses e, em concreto, dos que trabalham para o Estado, estas alterações não venham a ser inviabilizadas ou apoucadas.

Se isso acontecesse, era a dinâmica da justiça que perdia e o insucesso da renovação do estatuto do MP refletir-se-ia drasticamente em todos os cenários.

Haverá, pois, que saber distinguir bem os planos de análise e de crítica desta proposta, até para justificar, nos palcos certos, a legitimidade das pretensões dos magistrados a um estatuto material correspondente ao interesse e dignidade social das funções.

Escreve à terça-feira