Uma justiça para arguidos outra para o MP


Não se pode passar de um país que dá a sensação de ter uma Justiça para pobres e outra para ricos, para um Estado que aparente ter uma Justiça para arguidos e outra para Ministério Público


Com o aproximar do fim do prazo para os arguidos da Operação Marquês pedirem abertura de instrução foi possível ler-se em vários jornais que estes preferiam que fosse o juiz Ivo Rosa a decidir se existem ou não indícios suficientes para os levar a julgamento. Numa primeira leitura este apontamento pode não surpreender, uma vez que os suspeitos deste caso, que tem José Sócrates como peça central, já tentaram por diversas vezes afastar Carlos Alexandre – o outro juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal e que tem o caso em mãos desde o início.

Mas se se parar alguns minutos a pensar no assunto não deixa de impressionar que em 2018, em Portugal, haja juízes preferidos dos arguidos e outros do Ministério Público – sim, porque não é preciso grande memória para nos lembrarmos de que há poucos meses dois procuradores do MP pediram o afastamento de Ivo Rosa de três processos, um dos quais o da EDP, invocando a sua imparcialidade. Ou seja, na prática o mesmo que os arguidos apontam a Carlos Alexandre.

A realidade é conhecida de todos e, inclusivamente, já é noticiada com naturalidade.

Mas o que aconteceu esta semana é particularmente grave. Não se trata apenas de se exercer um direito legal – de pedir o afastamento de um magistrado que tenha tomado uma decisão concreta -, trata-se de ser notícia que os arguidos preferem um juiz a outro, antes ainda do sorteio. E qualquer que seja a justificação que se dê para isto é a Justiça que fica mal na fotografia, como uma Justiça que aparentemente assegura diferentes direitos, diferentes liberdades e diferentes garantias.

E nem é que se possa dizer que se trata de uma invenção dos jornalistas, que os arguidos nunca verbalizaram essa preferência. Ricardo Salgado, que decidiu nem sequer pedir abertura de instrução – por considerar que não pode exercer a sua defesa – afirmou esta semana que caso seja Carlos Alexandre o sorteado para conduzir a instrução os arguidos não terão outra hipótese que não seja seguir para julgamento.

“Se tal vier a suceder, o arguido (Ricardo Salgado) não tem ilusões quanto aquele que seria ou será o desfecho de uma eventual instrução”, defendeu Salgado.

O que está a acontecer na Justiça torna-se particularmente preocupante uma vez que não é um problema exclusivo da Operação Marquês – são vários os mega-processos que estão em investigação e que num futuro mais próximo ou mais longínquo chegarão a esta fase. É preciso que se perceba onde é que a Justiça está a falhar, para que o sentimento que criou nos portugueses, de ser igual para todos, não se perca. Não se pode passar de um país que dá a sensação de ter uma Justiça para pobres e outra para ricos para um Estado que aparente ter uma Justiça para arguidos e outra para Ministério Público.

Jornalista


Uma justiça para arguidos outra para o MP


Não se pode passar de um país que dá a sensação de ter uma Justiça para pobres e outra para ricos, para um Estado que aparente ter uma Justiça para arguidos e outra para Ministério Público


Com o aproximar do fim do prazo para os arguidos da Operação Marquês pedirem abertura de instrução foi possível ler-se em vários jornais que estes preferiam que fosse o juiz Ivo Rosa a decidir se existem ou não indícios suficientes para os levar a julgamento. Numa primeira leitura este apontamento pode não surpreender, uma vez que os suspeitos deste caso, que tem José Sócrates como peça central, já tentaram por diversas vezes afastar Carlos Alexandre – o outro juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal e que tem o caso em mãos desde o início.

Mas se se parar alguns minutos a pensar no assunto não deixa de impressionar que em 2018, em Portugal, haja juízes preferidos dos arguidos e outros do Ministério Público – sim, porque não é preciso grande memória para nos lembrarmos de que há poucos meses dois procuradores do MP pediram o afastamento de Ivo Rosa de três processos, um dos quais o da EDP, invocando a sua imparcialidade. Ou seja, na prática o mesmo que os arguidos apontam a Carlos Alexandre.

A realidade é conhecida de todos e, inclusivamente, já é noticiada com naturalidade.

Mas o que aconteceu esta semana é particularmente grave. Não se trata apenas de se exercer um direito legal – de pedir o afastamento de um magistrado que tenha tomado uma decisão concreta -, trata-se de ser notícia que os arguidos preferem um juiz a outro, antes ainda do sorteio. E qualquer que seja a justificação que se dê para isto é a Justiça que fica mal na fotografia, como uma Justiça que aparentemente assegura diferentes direitos, diferentes liberdades e diferentes garantias.

E nem é que se possa dizer que se trata de uma invenção dos jornalistas, que os arguidos nunca verbalizaram essa preferência. Ricardo Salgado, que decidiu nem sequer pedir abertura de instrução – por considerar que não pode exercer a sua defesa – afirmou esta semana que caso seja Carlos Alexandre o sorteado para conduzir a instrução os arguidos não terão outra hipótese que não seja seguir para julgamento.

“Se tal vier a suceder, o arguido (Ricardo Salgado) não tem ilusões quanto aquele que seria ou será o desfecho de uma eventual instrução”, defendeu Salgado.

O que está a acontecer na Justiça torna-se particularmente preocupante uma vez que não é um problema exclusivo da Operação Marquês – são vários os mega-processos que estão em investigação e que num futuro mais próximo ou mais longínquo chegarão a esta fase. É preciso que se perceba onde é que a Justiça está a falhar, para que o sentimento que criou nos portugueses, de ser igual para todos, não se perca. Não se pode passar de um país que dá a sensação de ter uma Justiça para pobres e outra para ricos para um Estado que aparente ter uma Justiça para arguidos e outra para Ministério Público.

Jornalista