A situação na Venezuela


A Venezuela é um país rico, possuindo as maiores reservas de petróleo do mundo, o que deveria ser mais do que suficiente para sustentar uma população de 30 milhões de pessoas


O estado actual da Venezuela demonstra bem aonde conduzem as políticas socialistas que os revolucionários aspirantes a ditadores impingem ao seu povo. A Venezuela é um país rico, possuindo as maiores reservas de petróleo do mundo, o que deveria ser mais do que suficiente para sustentar uma população de 30 milhões de pessoas. No entanto, os delírios da denominada “Revolução Bolivariana”, primeiro com Hugo Chávez, e depois com Nicolás Maduro, conduziram o país a uma crise económica sem precedentes, causando um enorme sofrimento ao seu povo.

O governo de Maduro esconde os dados da inflação, mas as estimativas apontam para 2.500% em 2017, já tendo o FMI admitido a hipótese de a mesma atingir um milhão por cento em 2018. O governo anuncia sucessivamente medidas como aumentos de salário mínimo e pensões, mas estes são imediatamente consumidos pela inflação galopante. Em consequência as pessoas não conseguem comprar produtos essenciais como alimentos e medicamentos. Mesmo assim, o governo estabeleceu dias para as pessoas irem ao supermercado, com base no número do cartão de identidade, e determinou o racionamento de todos os produtos essenciais. Isto porque a Venezuela já não possui sequer divisas para comprar alimentos e produtos básicos.

Recentemente o governo de Maduro anunciou uma reforma monetária para combater a hiperinflação, que considerou mais uma etapa da sua prometida “guerra ao capitalismo neoliberal para instalar um sistema económico virtuoso, equilibrado, sustentável, são e produtivo”. Assim substituiu o anterior “bolívar forte”, que de forte não tinha nada, pelo novo “bolívar soberano”, ancorado a uma criptomoeda, o “petro”, que ninguém fora do país reconhece. O resultado foi a total descredibilização da economia, demonstrando que os bolívares soberanos de ditadores como Maduro só conseguem assegurar a soberania da miséria. Por isso a crise na Venezuela já desencadeou o êxodo de muitos milhares de venezuelanos para os países vizinhos, num movimento migratório que o presidente do Brasil já considerou uma séria ameaça à estabilidade do continente sul-americano.

O problema é que Portugal tem 400.000 cidadãos portugueses ou luso-descendentes a residir na Venezuela, sendo que a desvalorização da moeda os impede de regressar, já que um simples bilhete de avião pode chegar a custar 53 salários mínimos. Para além disso, o governo de Maduro já tentou transformar cidadãos portugueses em bodes expiatórios do fracasso anunciado das suas políticas, acusando as lojas destes de especulação. Mas sobre isso não temos ouvido uma palavra dos nossos governantes, nem sequer a medida essencial de organizar uma ponte aérea gratuita para todos os portugueses e luso-descendentes que queiram regressar. Afinal de contas, se a TAP permaneceu pública, há-de ser precisamente para intervir em situações deste tipo. As afinidades ideológicas dos partidos da geringonça com o regime de Maduro não são justificação para que nada se esteja a fazer.

Foram por isso naturais as críticas de Paulo Rangel à omissão do governo e a proposta do CDS para que se prepare um plano de emergência de evacuação dos nossos emigrantes. As respostas dadas pelo governo e pelo Presidente da República é que não corresponderam à gravidade da situação. O secretário de Estado das Comunidades gabou-se das quatro viagens que fez à Venezuela e de não ter actualizado o preço dos emolumentos dos serviços consulares, como se isso tivesse algum efeito numa crise humanitária destas proporções. Quanto ao Presidente da República, pediu que não se “começasse a berrar” sobre a estratégia de apoio aos portugueses na Venezuela. Talvez convenha recordar a este propósito a primeira elegia de Rilke que perguntava precisamente: “Quem, se eu gritasse, de entre as ordens dos anjos me ouviria?” Na Venezuela já se grita de forma suficiente para que os nossos anjos continuem sem ouvir.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990