1987. Da moção de censura à primeira maioria de Cavaco

1987. Da moção de censura à primeira maioria de Cavaco


A 3 de abril de 1987, o PRD inspirado por Ramalho Eanes e liderado por Hermínio Martinho fez cair o governo minoritário de Cavaco Silva com uma moção de censura. Mário Soares dissolveu o parlamento e os sociais-democratas venceriam as eleições desse ano, com a primeira de duas maiorias absolutas de Cavaco Silva


Em 1987, Cavaco Silva era primeiro-ministro e liderava um governo minoritário, que vivia em guerrilha constante com o parlamento. Em oposição ao PSD, os dois partidos com maior representação na Assembleia da República eram o PS e o PRD (Partido Renovador Democrático). Este era um jovem partido fundado em torno da figura de Ramalho Eanes que tinha sido uma surpresa nas eleições de 1985: conseguindo transformar-se na terceira força no parlamento, com 18% dos votos, logo atrás do PS.

A gota de água no conflito entre o governo e a assembleia foi a famosa viagem à Estónia. Durante uma visita à União Soviética, a delegação de deputados portugueses aceitou deslocar-se à Estónia. O problema é que o Estado português nunca tinha reconhecido a anexação dos países bálticos pela URSS. O governo de Cavaco acabou, assim, por desautorizar a Assembleia da República e o seu presidente, o histórico do PSD Fernando Amaral.

A guerra institucional desaguou na apresentação de uma moção de censura pelo PRD contra executivo minoritário de Cavaco Silva. A moção foi decidida numa reunião da comissão diretiva do PRD, duas semanas antes de ser apresentada. E foi Hermínio Martinho, na altura vice-presidente do PRD, quem foi transmitir a iniciativa ao Presidente da República, Mário Soares, que estava doente e recebeu Hermínio em casa.

A moção foi apresentada no dia 3 de abril de 1987, na Assembleia da República. “Foi um governo metodologicamente demagogo, tecnicamente incompetente e politicamente desonesto, a que se juntou entretanto uma sorte espantosa que infelizmente para o país não soube aproveitar. E tudo isto merece bem esta moção de censura”, argumentou Hermínio Martinho.

Segundo Hermínio Martinho, a denúncia feita pelo PRD era “representativa”. “Por isso, este governo vai cair”, afirmou na altura. E tinha razão. A moção do PRD foi apoiada pelo PS liderado por Vítor Constâncio – que tomou a decisão na véspera – e pelo PCP de Álvaro Cunhal e tornou-se na primeira a conseguir derrubar o governo em Portugal. Foi aprovada por 134 votos a favor, 108 votos contra e uma abstenção.

“Mas Portugal não ficará desgovernado. Pelo contrário, a queda deste governo torna-se imperiosa para que Portugal venha a poder usufruir de uma política mais dinâmica economicamente e mais justa socialmente”, anunciou Hermínio Martinho. Mas neste ponto as coisas não correram como previa.

Depois da queda do governo, Vítor Constâncio procurou uma solução alternativa e foi ao então Presidente da República propor um governo apoiado no parlamento por PS, PRD e PCP. Contudo, Soares não tinha particular apreço por Constâncio – o seu sucessor na liderança do PS – e acabou por não aceitar a solução de governo, decidindo-se antes pela dissolução da assembleia, convocando eleições antecipadas.

A 19 de julho de 1987, os portugueses foram chamados às urnas para escolher o novo executivo e Cavaco Silva conseguiu mais de 50% dos votos – a primeira das suas duas maiorias absolutas –, assumindo os comando do país até 1995. Já o PRD não chegou aos 5% e, poucos anos depois, desapareceu.

A Eanes e a Soares acabou por lhes sair o tiro pela culatra e a moção de censura acabou por ser benéfica para Cavaco. Na sua autobiografia, o antigo líder social-democrata escreveu que era difícil “esconder a satisfação” e apontou como razões da vitória “a ação do governo vista pelo população como positiva e séria”. Cavaco Silva denominou um capítulo do livro de “a benesse da moção de censura”, onde refere que, sem isso, talvez nunca tivesse conseguido chegar à maioria absoluta.

No entanto, Hermínio Martinho nunca se arrependeu de ter apresentado aquela moção de censura. «Foi mau para o partido, mas foi bom para o país, que atravessou um período de grande desenvolvimento», afirmou o na altura vice-presidente do PRD, em declarações à TVI24 em 2014.

Segundo o engenheiro, o objetivo do partido liderado por Ramalho Eanes “não era ir para o governo”, mas sim terminar com “a guerrilha constante entre o primeiro-ministro e o parlamento”, que levava o país ao “desperdiçar de recursos” que chegavam com a entrada na União Europeia no ano anterior.

“O primeiro-ministro, com um governo minoritário, tinha bastante conforto em responsabilizar permanentemente a Assembleia da República por uma situação de impedimento de governação. Vários dos ministros nunca tinham sido deputados e atacavam constantemente o parlamento”, recordou.

Hermínio Martinho afirmou ainda que Mário Soares foi avisado que “podia haver uma maioria absoluta” de Cavaco caso fossem convocadas novas eleições. “Mas ele não estava à espera disso”, acrescentou o ex-dirigente do PRD. Mário Soares terá mesmo “dado a entender” a Vítor Constâncio, então secretário-geral do PS, que “iria formar outro governo”, mas que não o iria apoiar publicamente.