Ostras numa mão, telemóvel na outra


Durante muito tempo, a preocupação foi o impacto do excesso de tecnologia nas crianças. E nós? 


Marisqueira sobre o mar assim a dar para o fino, música ambiente suave – cenário idílico sobretudo para quem pode desfrutar do menu sem ter de gerir a impaciência normal de uma criança de quase três anos que não aguenta muito tempo sossegada à mesa e embalar de quando em quando o carrinho da mais nova. Enquanto tentamos esticar ao máximo o momento de convívio sem a solução de pôr uns bonecos no YouTube e pronto (porque até isso tem uma duração finita e o serviço pode demorar), olhamos à volta e está tudo agarrado ao telemóvel. Os grandes, não os pequenos: há o telefone que toca estridentemente umas três vezes (e pôr no silêncio?) e os convivas que veem vídeos e fotos com som enquanto não chega a comida. E o cúmulo: os senhores que, de babete aprumado e iguarias na mesa, não largam o aparelho nem em plena degustação. Telemóvel numa mão e a ostra na outra, o que já não é coisa para iniciados. 

Não estou a criticar, também me deixo vidrar no telemóvel ao ponto de começar a responder por monossílabos – mesmo quando já não estou a ouvir a conversa e por, naquele momento de autêntica alienação, estar convencida de que assim pareço menos indelicada. Mas será normal estar num restaurante e não haver uma única mesa sem telemóveis? 

Durante muito tempo, se calhar demais, a preocupação foi o impacto do excesso de tecnologia no desenvolvimento das crianças: a partir de que idade devem ter telefone/net, como restringir o acesso a conteúdos impróprios, como protegê-las de investidas menos corretas e violações de privacidade. No fundo, pensar no destino da famosa geração-polegar, tão diferente das crianças das gerações que as antecederam. E os adultos, onde é que vão parar? 

É verdade que há algum tempo que se ouve falar do perigo do telemóvel ao volante e até das selfies em locais pouco seguros. Este verão, na Alemanha, o alerta foi para o aumento dos afogamentos de crianças em circunstâncias em que os pais estavam agarrados aos telefones. Basta olhar à volta na praia para ver o comportamento de risco. O facto é que esta fixação no ecrã parece aumentar de dia para dia e não é uma coisa só de jovens – apanhou as gerações mais velhas e, às vezes, de uma maneira que até parece ser muito menos contida. É que a minha geração ainda tenta fazer um esforço para não dar o “mau exemplo” aos filhos pequenos e, ao preço de uma travessa de ostras, creio que talvez não fosse desperdiçar o momento a mexer no telemóvel – só uma foto para o Instagram, vá lá. Fora de brincadeiras, há entre nós uma sensação de que alguma coisa está errada neste comportamento e uma tentativa de o contrariar, daí a tendência dos detox digitais e outras modas entre os millennials. Ao mesmo tempo veem-se muitas pessoas mais velhas enfiadas nos telemóveis, na cena típica que dantes só se atribuía aos adolescentes. 

Há dias, o Facebook – que, vá-se lá saber como, sabe sempre os dramas que estamos a viver por mais que reforce os seus códigos de segurança e privacidade – sugeria-me um artigo sobre o efeito da dependência dos ecrãs nos filhos e, a ilustrá-lo, mostrava um pai a dar o biberão com o leite numa mão e o telemóvel na outra. Uma prova de que esta fixação está a acentuar-se é que não tenho ideia de, na minha primeira filha, ter sentido tanto a necessidade de agarrar no telefone na hora de amamentar e, agora, muitas vezes até tento deixá-lo longe para não cair na tentação – e muitas outras vezes comporto–me precisamente como o pai da fotografia do artigo. Não é que me sinta pior mãe por isso, se bem que alguns estudos já alertaram que pais agarrados aos telefones tendem a dar respostas mais robóticas aos filhos e que o nosso grau de dependência da tecnologia, além de mais tarde ser o modelo que lhes passamos, os torna mais irritáveis. Mesmo que não seja o fim do mundo, não deixo de pensar no efeito a longo prazo destas pequenas mudanças na maneira como nos relacionamos. E, sobretudo, em que é que nos estamos a tornar quando não conseguimos ficar sossegados 15 minutos sem ter de deslizar os dedos num ecrã. 

 

Jornalista

Escreve à sexta-feira
 


Ostras numa mão, telemóvel na outra


Durante muito tempo, a preocupação foi o impacto do excesso de tecnologia nas crianças. E nós? 


Marisqueira sobre o mar assim a dar para o fino, música ambiente suave – cenário idílico sobretudo para quem pode desfrutar do menu sem ter de gerir a impaciência normal de uma criança de quase três anos que não aguenta muito tempo sossegada à mesa e embalar de quando em quando o carrinho da mais nova. Enquanto tentamos esticar ao máximo o momento de convívio sem a solução de pôr uns bonecos no YouTube e pronto (porque até isso tem uma duração finita e o serviço pode demorar), olhamos à volta e está tudo agarrado ao telemóvel. Os grandes, não os pequenos: há o telefone que toca estridentemente umas três vezes (e pôr no silêncio?) e os convivas que veem vídeos e fotos com som enquanto não chega a comida. E o cúmulo: os senhores que, de babete aprumado e iguarias na mesa, não largam o aparelho nem em plena degustação. Telemóvel numa mão e a ostra na outra, o que já não é coisa para iniciados. 

Não estou a criticar, também me deixo vidrar no telemóvel ao ponto de começar a responder por monossílabos – mesmo quando já não estou a ouvir a conversa e por, naquele momento de autêntica alienação, estar convencida de que assim pareço menos indelicada. Mas será normal estar num restaurante e não haver uma única mesa sem telemóveis? 

Durante muito tempo, se calhar demais, a preocupação foi o impacto do excesso de tecnologia no desenvolvimento das crianças: a partir de que idade devem ter telefone/net, como restringir o acesso a conteúdos impróprios, como protegê-las de investidas menos corretas e violações de privacidade. No fundo, pensar no destino da famosa geração-polegar, tão diferente das crianças das gerações que as antecederam. E os adultos, onde é que vão parar? 

É verdade que há algum tempo que se ouve falar do perigo do telemóvel ao volante e até das selfies em locais pouco seguros. Este verão, na Alemanha, o alerta foi para o aumento dos afogamentos de crianças em circunstâncias em que os pais estavam agarrados aos telefones. Basta olhar à volta na praia para ver o comportamento de risco. O facto é que esta fixação no ecrã parece aumentar de dia para dia e não é uma coisa só de jovens – apanhou as gerações mais velhas e, às vezes, de uma maneira que até parece ser muito menos contida. É que a minha geração ainda tenta fazer um esforço para não dar o “mau exemplo” aos filhos pequenos e, ao preço de uma travessa de ostras, creio que talvez não fosse desperdiçar o momento a mexer no telemóvel – só uma foto para o Instagram, vá lá. Fora de brincadeiras, há entre nós uma sensação de que alguma coisa está errada neste comportamento e uma tentativa de o contrariar, daí a tendência dos detox digitais e outras modas entre os millennials. Ao mesmo tempo veem-se muitas pessoas mais velhas enfiadas nos telemóveis, na cena típica que dantes só se atribuía aos adolescentes. 

Há dias, o Facebook – que, vá-se lá saber como, sabe sempre os dramas que estamos a viver por mais que reforce os seus códigos de segurança e privacidade – sugeria-me um artigo sobre o efeito da dependência dos ecrãs nos filhos e, a ilustrá-lo, mostrava um pai a dar o biberão com o leite numa mão e o telemóvel na outra. Uma prova de que esta fixação está a acentuar-se é que não tenho ideia de, na minha primeira filha, ter sentido tanto a necessidade de agarrar no telefone na hora de amamentar e, agora, muitas vezes até tento deixá-lo longe para não cair na tentação – e muitas outras vezes comporto–me precisamente como o pai da fotografia do artigo. Não é que me sinta pior mãe por isso, se bem que alguns estudos já alertaram que pais agarrados aos telefones tendem a dar respostas mais robóticas aos filhos e que o nosso grau de dependência da tecnologia, além de mais tarde ser o modelo que lhes passamos, os torna mais irritáveis. Mesmo que não seja o fim do mundo, não deixo de pensar no efeito a longo prazo destas pequenas mudanças na maneira como nos relacionamos. E, sobretudo, em que é que nos estamos a tornar quando não conseguimos ficar sossegados 15 minutos sem ter de deslizar os dedos num ecrã. 

 

Jornalista

Escreve à sexta-feira