Henrique Neto defende que os portugueses vivem “uma ilusão”, porque “o país não está melhor” com a geringonça. Prevê que o PS não consiga a maioria absoluta e repita a aliança com os partidos de esquerda. Uma solução que, na sua opinião, impede uma política económica “mais arrojada”. Diz que António Costa não tem capacidade para fazer as reformas que o país precisa e “governa com dois ou três amigos” e que Rui Rio não tem “ideias alternativas à geringonça”.
Desfiliou-se do PS há um ano. Arrependeu-se ou sente que foi a decisão certa?
Não me arrependi. Pelo contrário. Devia ter saído mais cedo. Andei a adiar, a adiar… A razão principal foi a corrupção. Não aceito que um partido com a tradição e a história do Partido Socialista seja um partido que não faça nada para combater a corrupção. A segunda grande razão foi porque o país precisa que falem verdade. Estamos há vinte anos em estagnação económica e não vejo o governo ou o PS preocupados com isso.
O governo vai ter dificuldades em aprovar o Orçamento do Estado para o próximo ano?
Não creio que existam grandes alterações neste orçamento relativamente aos anos anteriores. É evidente que o PCP e o Bloco vão pressionar o governo. Provavelmente mais o PCP porque o BE não terá tanta margem de manobra devido a estes problemas que teve recentemente com o Ricardo Robles. Mas nenhum destes partidos vai arriscar a ficar com a responsabilidade de fazer cair o governo. Vai haver muita propaganda. O Partido Socialista vai dizer que fez muita coisa e o PCP e o Bloco de Esquerda vão destacar as coisas que ficaram por fazer. A grande questão é o que vai acontecer a seguir.
Pensa que a geringonça vai repetir-se?
Não acredito que o PS consiga a maioria absoluta e penso que vão tentar continuar com esta solução. Se Rui Rio tivesse uma estratégia mais clara e ideias alternativas à geringonça era provável que as coisas pudessem ser diferentes. Mas isso não aconteceu. O PSD não tem ideias novas e não creio que existam condições para uma aliança entre o PS e o PSD. Inclino-me a pensar que a geringonça vai continuar a seguir às eleições.
E isso é, na sua opinião, uma boa notícia ou preferia outra solução?
Não. É uma má notícia. Não tenho nada contra o PCP, mas o país precisava de uma estratégia muito diferente. Precisava de uma política económica muito diferente. Muito mais arrojada, muito mais virada para as exportações e muito mais virada para a atividade privada. Com o PCP e o Bloco isso não é possível. Mas esta solução vai ter continuidade, porque o PS quer ser poder. O António Costa quer continuar a ser primeiro-ministro. Os políticos podem ter ideias diferentes, no caso do PS ideias diferentes do Costa, mas quando chegar a altura eles vão querer é estar no poder. E, portanto, não arriscam.
Da parte dos partidos de esquerda também haverá essa disponibilidade?
Não vão largar o poder. Não vão largar porque, por um lado, gostam do poder, principalmente o Bloco, e por outro porque iriam entregar a governação ao PSD. A propaganda do PS tem sido muito bem feita. Eles acreditam que o país está melhor. Portugal é dos países europeus que menos cresceu. É daqueles que tem menor rendimento das famílias. O país não está melhor, mas os portugueses acham que sim e há um clima favorável para que esta solução se repita. Não acredito que, como aconteceu no passado, o PCP e o BE façam alguma coisa para derrubar um governo que teria como alternativa a direita.
O Bloco Central seria uma solução?
Nunca fui adepto do Bloco Central, mas seria uma solução melhor para fazer as reformas de que o país precisa. O maior problema do país é económico e não há solução económica sem que Portugal passe a exportar muito mais. Nenhum país europeu da nossa dimensão, com cerca de dez milhões de habitantes, exporta menos de 60%. Os países do leste já estão a exportar 70% ou 80%. Um país pequeno não tem alternativa. Com as tecnologias, principalmente na indústria, mas não só, os equipamentos são muito caros, mas são muito produtivos. Uma empresa que produz para dez milhões nunca pode ter esses equipamentos, porque são caros para uma produção pequena. Se não exportar não só não tem capacidade de sobrevivência como é vítima das importações.
O que está a dizer é que esses problemas poderiam ter outro tipo de resposta, na próxima legislatura, com uma aliança entre o PS e Rui Rio?
Claro que sim. Eu estou num dilema, porque sempre preferi as soluções de esquerda, mas esta solução não tem futuro, ou melhor, não dá nenhum futuro ao país. O Bloco e o PCP são, por exemplo, contra a União Europeia e são contra tudo aquilo que está na história e no ADN do Partido Socialista. Coisas que o PS não vai largar. Estas divergências de fundo causam um grande imobilismo na política portuguesa. O PCP e o Bloco hostilizam os empresários, as empresas e a atividade privada.
Acha que o país está a viver uma ilusão?
Isso é evidente. Portugal está cada vez mais longe dos outros países europeus.
Não acredita nas capacidades de António Costa para alterar essa situação?
Não. A estratégia do António Costa é estar no poder e governa com dois ou três amigos.
Nunca o apoiou quando estava no PS?
Não. Claro que não. Apoiei o António José Seguro.
Foi candidato à presidência da República em 2016. Marcelo Rebelo de Sousa podia fazer mais?
O Presidente da República podia fazer mais. Ele tem uma popularidade muito grande e não precisa de arriscar, mas penso que ele deveria fazer um pequeno documento dizendo o que é que o país precisa para os próximos anos. As exportações, a questão da educação, o combate à corrupção… Podia fazer um documento com as grandes linhas de força para os próximos dez anos. Isso poderia ser uma clarificação, mas não creio que o faça.
Pertence ao movimento “Por uma democracia de Qualidade” que defende, há alguns anos, uma reforma no sistema político. O que é que leva a que o sistema eleitoral não seja alterado?
As leis eleitorais, do meu ponto de vista, são o fator mais relevante da má democracia que nós temos. A democracia portuguesa não é verdadeiramente democrática, porque os representantes do povo não são escolhidos pelo povo. São escolhidos pelas oligarquias partidárias. Sabemos que cada líder escolhe os candidatos a deputados ou os candidatos a autarcas e são escolhidos pela lealdade ao chefe e pela defesa dos interesses comuns. Muitas vezes até por interesses ilegítimos.
Qual seria a melhor alternativa?
Nós defendemos os círculos uninominais em que os eleitores podem votar cada candidato um a um. Isso faz com exista uma maior probabilidade de os eleitos defenderem os interesses de quem os escolheu, porque sabem que o eleitor tem o poder de já não votar nele e votar noutro, mesmo que seja do mesmo partido. Isso é uma mudança radical no modelo da nossa democracia e conduzirá a que a Assembleia da República fiscalize os governos de uma maneira mais eficientes. Essa é uma mudança essencial e não é por caso que os partidos a recusam. Os partidos, principalmente os partidos de poder como o PS e PSD, sabem que perderiam uma parte relevante do seu poder. Dificilmente poderiam fazer, sem nenhuma oposição, coisas como as Parcerias Público-Privadas (PPP) ou alguns dos grandes erros que foram feitos na política portuguesa nos últimos anos. Os deputados estariam lá para fazer o seu trabalho de fiscalização e isso com o modelo atual não acontece.