O momento Floribella da direita portuguesa


A ideia de que os militantes de esquerda devem fazer um voto de pobreza inscreveu-se de uma forma avassaladora no espaço público, tomando-o como um critério de seriedade e coerência exclusivo


O caso que motivou a renúncia de Ricardo Robles coloca uma questão de fundo para lá da situação em concreto. Pode alguém de esquerda ser milionário? Possuir prédios, propriedades ou outras riquezas?

A direita que cavalgou o caso entende que não, que os militantes de esquerda devem fazer o voto de pobreza que não defendem. É nestes momentos que se percebe a forma hegemónica como consegue impor o seu discurso no espaço público. Repetiram-se textos em que Robles, o BE e toda a esquerda eram desancados, misturando factos, ficções e opiniões exatamente na mesma semana em que passava, sem qualquer escrutínio, a avaliação do Banco de Portugal que concluía que o sistema financeiro português havia passado com distinção o teste dos Panama Papers – apresentados como o maior escândalo financeiro global sobre operações de indivíduos e empresas em paraísos fiscais. Em Portugal, a sua divulgação exclusiva foi garantida pelo “Expresso” e teve a excecionalidade de não conseguir identificar nomes relevantes de sociedades lusas envolvidas no escândalo.

A ideia de que os militantes de esquerda devem fazer um voto de pobreza inscreveu-se de uma forma avassaladora no espaço público, tomando-o como um critério de seriedade e coerência exclusivo. Ninguém se lembraria de exigir a renúncia de um eleito do CDS por se marimbar para a doutrina social da Igreja sempre que estão em causa grandes interesses financeiros.

É preciso que a esquerda entenda que este filão não começa nem se esgota em Robles. Não me surpreenderia que a novela noticiosa prosseguisse com a “denúncia” de todas as casas em alojamento local detidas por dirigentes de partidos à esquerda do PS, dos seus carros e respetivas cilindradas ou dos locais de férias e custos das diárias – isto ao mesmo tempo que passa entre o barulho das luzes a notícia do advogado da Apollo, concomitantemente assessor da Presidência, implicado no veto presidencial ao diploma que clarificava os termos dos direitos de preferência de arrendatários de que Fosun e Apollo são as principais beneficiárias.

A resposta da esquerda tem de ser construtiva para que não viva a dar explicações. No atual contexto sociológico, político e financeiro é urgente valorizar e construir outras formas de investir ou de utilização da propriedade privada que detém a título individual ou coletivo. A construção desses territórios do outro mundo possível é um desafio para onde se devem canalizar muito mais energias do que as que hoje lhes estão reservadas.

Escreve à segunda-feira


O momento Floribella da direita portuguesa


A ideia de que os militantes de esquerda devem fazer um voto de pobreza inscreveu-se de uma forma avassaladora no espaço público, tomando-o como um critério de seriedade e coerência exclusivo


O caso que motivou a renúncia de Ricardo Robles coloca uma questão de fundo para lá da situação em concreto. Pode alguém de esquerda ser milionário? Possuir prédios, propriedades ou outras riquezas?

A direita que cavalgou o caso entende que não, que os militantes de esquerda devem fazer o voto de pobreza que não defendem. É nestes momentos que se percebe a forma hegemónica como consegue impor o seu discurso no espaço público. Repetiram-se textos em que Robles, o BE e toda a esquerda eram desancados, misturando factos, ficções e opiniões exatamente na mesma semana em que passava, sem qualquer escrutínio, a avaliação do Banco de Portugal que concluía que o sistema financeiro português havia passado com distinção o teste dos Panama Papers – apresentados como o maior escândalo financeiro global sobre operações de indivíduos e empresas em paraísos fiscais. Em Portugal, a sua divulgação exclusiva foi garantida pelo “Expresso” e teve a excecionalidade de não conseguir identificar nomes relevantes de sociedades lusas envolvidas no escândalo.

A ideia de que os militantes de esquerda devem fazer um voto de pobreza inscreveu-se de uma forma avassaladora no espaço público, tomando-o como um critério de seriedade e coerência exclusivo. Ninguém se lembraria de exigir a renúncia de um eleito do CDS por se marimbar para a doutrina social da Igreja sempre que estão em causa grandes interesses financeiros.

É preciso que a esquerda entenda que este filão não começa nem se esgota em Robles. Não me surpreenderia que a novela noticiosa prosseguisse com a “denúncia” de todas as casas em alojamento local detidas por dirigentes de partidos à esquerda do PS, dos seus carros e respetivas cilindradas ou dos locais de férias e custos das diárias – isto ao mesmo tempo que passa entre o barulho das luzes a notícia do advogado da Apollo, concomitantemente assessor da Presidência, implicado no veto presidencial ao diploma que clarificava os termos dos direitos de preferência de arrendatários de que Fosun e Apollo são as principais beneficiárias.

A resposta da esquerda tem de ser construtiva para que não viva a dar explicações. No atual contexto sociológico, político e financeiro é urgente valorizar e construir outras formas de investir ou de utilização da propriedade privada que detém a título individual ou coletivo. A construção desses territórios do outro mundo possível é um desafio para onde se devem canalizar muito mais energias do que as que hoje lhes estão reservadas.

Escreve à segunda-feira