O Bloco já não mora aqui


Até aqui, a cada oportunidade, o Bloco verbalizava um implacável veredito. Sem esperar por desculpas ou explicações, tinha dedo rápido no gatilho. Disparava pronto


Os encantos do mercado, como a ambição do poder, não são para quem quer, são para quem pode. A deriva imobiliária do ex-vereador Ricardo Robles e o conforto do Bloco de Esquerda na cobertura à situação têm o mérito de sublinhar realidades que, na espuma dos dias, podem passar despercebidas.

O Bloco de Esquerda é o resultado de um lifting político que os militantes da UDP, do PSR, da Política xxi e de outras forças de extrema-esquerda realizaram para sustentar a política de protesto numa embalagem mais moderna, apelativa e consumível. Durante anos, a ação do Bloco de Esquerda caracterizou-se por uma extrema acutilância na intervenção política e pela concretização de propostas para determinados nichos eleitorais, sempre sob os auspícios de uma pretensa autoridade moral das suas convicções. A cada situação, o Bloco verbalizava um implacável veredito, sem margem para explicações ou desculpas. A sua pretensa autoridade moral conferia-lhe supostas prerrogativas de realização de julgamentos sumários sobre a ação de protagonistas políticos, as iniciativas políticas ou os casos mediatizados. Sem esperar por mais informações ou por explicações, o Bloco tinha dedo rápido no gatilho. Disparava pronto.

O problema é que, no plano político e no plano individual, o Bloco de Esquerda deixou de ser mais rápido do que a sua própria sombra. O Bloco, como o conhecemos, já não mora aqui. Não se sabe se foi despejado por uma qualquer fúria imobiliária alheia, sintonizada com o aproveitamento do ambiente de euforia do mercado em Lisboa ou com os olhos postos nos bons negócios especulativos ou no alojamento local. Sabe–se que o mundo mudou. E há desespero, vacila-se no veredito político, ensaia-se a tese da cabala e mente-se descaradamente sobre alegados diplomas à espera de promulgação presidencial que, afinal, ainda não saíram do parlamento.

Depois do generalizado agachamento político do Bloco em relação à atualidade e à conjuntura, o partido reincide no agachamento político por questões que envolvem os seus membros. Já tinha sido assim com dois deputados do Bloco que, residindo em Lisboa, tinham dado as moradas de Leiria e de Braga para receberem mais subsídios parlamentares, tendo o de Braga indicado ter como residência a sede do partido. Agora é a deriva especulativa da atividade imobiliária do ex-vereador Ricardo Robles em total contramão com a sua intervenção política e com a doutrina do partido sobre as questões da habitação. O problema em qualquer uma das situações não é legal, é ético, moral e político. O Bloco, através do ex-vereador Robles, que na Câmara Municipal de Lisboa é poder, perdeu a autoridade moral.

Já tinha perdido gás e acutilância na exercitação dos vereditos políticos perante a atualidade desde que, em 2015, assumiu um papel relevante na afirmação parlamentar da atual solução governativa; agora perdeu o traço marcante do seu ADN de intervenção política. Passou a ter telhados de vidro, naquilo que alguns apontam (mal!) como uma aproximação ao perfil de partido com vocação de exercício de poder. 

No anterior quadro de referência da ação do Bloco, anterior a 2015, imagine–se o que não teria sido a tempestade de vereditos do Bloco de Esquerda com alguns dos casos, pessoais e políticos, da atual solução governativa. Imagine-se que a insustentável situação política de Ricardo Robles, vertida em renúncia de funções, tinha acontecido com um protagonista político de outro partido fora do quadro da solução governativa: o Bloco estaria à defesa, a desgraduar a situação, a ensaiar a narrativa da cabala e a faltar à verdade?

Este agachamento político generalizado do Bloco em relação à atualidade política e às contradições dos seus membros, que contradiz o padrão de autoridade moral que sempre professou, sublinha uma profunda incoerência política e revela uma lamentável geometria variável dos partidos na apreciação das situações. Tudo parece mudar se os protagonistas “são os nossos” ou “são dos outros”. Digamos que não é uma base aceitável para construção de uma vivência comunitária saudável, razão que contribui para o desgaste da política e dos políticos aos olhos dos cidadãos. A situação percecionada só não será mais grave porque a conjuntura nacional ainda é positiva e os cidadãos atravessam uma fase afirmativa, depois dos reembolsos do IRS e da receção dos subsídios de férias.

Pelo caminho, nos despojos do enamoramento pelo mercado imobiliário e pela especulação imobiliária na forma tentada, ficou a pretensa autoridade moral do Bloco de Esquerda. Aqui poderia morar gente, mas morou o oportunismo. Nada de ilegal, nada de mal para quem está comprometido com o funcionamento do mercado, não fosse a reiterada conversa do protagonista e do seu partido. A demissão de Ricardo Robles é apenas um paliativo para superar a pressão mediática. Não resolve nada do capital delapidado com a deriva pela vertigem imobiliária.

Notas finais

Rés-do-Chão. O estado de indigência do serviço público ferroviário prestado pela CP, fruto de anos de sucessivos desinvestimentos e de uma inquietante letargia no lançamento do processo de investimento em material circulante, não será muito diferente de situações similares noutros pilares da nossa vivência comunitária. Ou alguém acha que as condições de operacionalidade das forças de segurança são muito diferentes do descarrilar deste serviço público de transportes?

Duplex. Apesar dos sinais de persistência na barganha envolvente do futebol português, com catalisador a norte, a seleção nacional de Futebol Sub-19 sagrou–se campeã europeia, depois da vitória em 2016 com os seniores. Nos talentos individuais e no coletivo, há sinais positivos para o futuro.

Terraço. Além da espuma dos dias, das insuficiências e dos estados de alma, vão sendo lançadas importantes sementes para o futuro. A recente inauguração da Central Solar Fotovoltaica Ourika, em Grandaços, no concelho de Ourique, é um projeto pioneiro a nível europeu. É a primeira central de grandes dimensões que não tem tarifa garantida suportada pelos contribuintes.

 

Escreve à quinta-feira


O Bloco já não mora aqui


Até aqui, a cada oportunidade, o Bloco verbalizava um implacável veredito. Sem esperar por desculpas ou explicações, tinha dedo rápido no gatilho. Disparava pronto


Os encantos do mercado, como a ambição do poder, não são para quem quer, são para quem pode. A deriva imobiliária do ex-vereador Ricardo Robles e o conforto do Bloco de Esquerda na cobertura à situação têm o mérito de sublinhar realidades que, na espuma dos dias, podem passar despercebidas.

O Bloco de Esquerda é o resultado de um lifting político que os militantes da UDP, do PSR, da Política xxi e de outras forças de extrema-esquerda realizaram para sustentar a política de protesto numa embalagem mais moderna, apelativa e consumível. Durante anos, a ação do Bloco de Esquerda caracterizou-se por uma extrema acutilância na intervenção política e pela concretização de propostas para determinados nichos eleitorais, sempre sob os auspícios de uma pretensa autoridade moral das suas convicções. A cada situação, o Bloco verbalizava um implacável veredito, sem margem para explicações ou desculpas. A sua pretensa autoridade moral conferia-lhe supostas prerrogativas de realização de julgamentos sumários sobre a ação de protagonistas políticos, as iniciativas políticas ou os casos mediatizados. Sem esperar por mais informações ou por explicações, o Bloco tinha dedo rápido no gatilho. Disparava pronto.

O problema é que, no plano político e no plano individual, o Bloco de Esquerda deixou de ser mais rápido do que a sua própria sombra. O Bloco, como o conhecemos, já não mora aqui. Não se sabe se foi despejado por uma qualquer fúria imobiliária alheia, sintonizada com o aproveitamento do ambiente de euforia do mercado em Lisboa ou com os olhos postos nos bons negócios especulativos ou no alojamento local. Sabe–se que o mundo mudou. E há desespero, vacila-se no veredito político, ensaia-se a tese da cabala e mente-se descaradamente sobre alegados diplomas à espera de promulgação presidencial que, afinal, ainda não saíram do parlamento.

Depois do generalizado agachamento político do Bloco em relação à atualidade e à conjuntura, o partido reincide no agachamento político por questões que envolvem os seus membros. Já tinha sido assim com dois deputados do Bloco que, residindo em Lisboa, tinham dado as moradas de Leiria e de Braga para receberem mais subsídios parlamentares, tendo o de Braga indicado ter como residência a sede do partido. Agora é a deriva especulativa da atividade imobiliária do ex-vereador Ricardo Robles em total contramão com a sua intervenção política e com a doutrina do partido sobre as questões da habitação. O problema em qualquer uma das situações não é legal, é ético, moral e político. O Bloco, através do ex-vereador Robles, que na Câmara Municipal de Lisboa é poder, perdeu a autoridade moral.

Já tinha perdido gás e acutilância na exercitação dos vereditos políticos perante a atualidade desde que, em 2015, assumiu um papel relevante na afirmação parlamentar da atual solução governativa; agora perdeu o traço marcante do seu ADN de intervenção política. Passou a ter telhados de vidro, naquilo que alguns apontam (mal!) como uma aproximação ao perfil de partido com vocação de exercício de poder. 

No anterior quadro de referência da ação do Bloco, anterior a 2015, imagine–se o que não teria sido a tempestade de vereditos do Bloco de Esquerda com alguns dos casos, pessoais e políticos, da atual solução governativa. Imagine-se que a insustentável situação política de Ricardo Robles, vertida em renúncia de funções, tinha acontecido com um protagonista político de outro partido fora do quadro da solução governativa: o Bloco estaria à defesa, a desgraduar a situação, a ensaiar a narrativa da cabala e a faltar à verdade?

Este agachamento político generalizado do Bloco em relação à atualidade política e às contradições dos seus membros, que contradiz o padrão de autoridade moral que sempre professou, sublinha uma profunda incoerência política e revela uma lamentável geometria variável dos partidos na apreciação das situações. Tudo parece mudar se os protagonistas “são os nossos” ou “são dos outros”. Digamos que não é uma base aceitável para construção de uma vivência comunitária saudável, razão que contribui para o desgaste da política e dos políticos aos olhos dos cidadãos. A situação percecionada só não será mais grave porque a conjuntura nacional ainda é positiva e os cidadãos atravessam uma fase afirmativa, depois dos reembolsos do IRS e da receção dos subsídios de férias.

Pelo caminho, nos despojos do enamoramento pelo mercado imobiliário e pela especulação imobiliária na forma tentada, ficou a pretensa autoridade moral do Bloco de Esquerda. Aqui poderia morar gente, mas morou o oportunismo. Nada de ilegal, nada de mal para quem está comprometido com o funcionamento do mercado, não fosse a reiterada conversa do protagonista e do seu partido. A demissão de Ricardo Robles é apenas um paliativo para superar a pressão mediática. Não resolve nada do capital delapidado com a deriva pela vertigem imobiliária.

Notas finais

Rés-do-Chão. O estado de indigência do serviço público ferroviário prestado pela CP, fruto de anos de sucessivos desinvestimentos e de uma inquietante letargia no lançamento do processo de investimento em material circulante, não será muito diferente de situações similares noutros pilares da nossa vivência comunitária. Ou alguém acha que as condições de operacionalidade das forças de segurança são muito diferentes do descarrilar deste serviço público de transportes?

Duplex. Apesar dos sinais de persistência na barganha envolvente do futebol português, com catalisador a norte, a seleção nacional de Futebol Sub-19 sagrou–se campeã europeia, depois da vitória em 2016 com os seniores. Nos talentos individuais e no coletivo, há sinais positivos para o futuro.

Terraço. Além da espuma dos dias, das insuficiências e dos estados de alma, vão sendo lançadas importantes sementes para o futuro. A recente inauguração da Central Solar Fotovoltaica Ourika, em Grandaços, no concelho de Ourique, é um projeto pioneiro a nível europeu. É a primeira central de grandes dimensões que não tem tarifa garantida suportada pelos contribuintes.

 

Escreve à quinta-feira