Um dos problemas do país é ter um parlamento do outro mundo, onde não tem lugar qualquer golpada, e algum jornalismo mesquinho, que se preocupa em atacar quem tão bem administra os dinheiros públicos. Na última semana, esse jornalismo fez um ataque brutal aos partidos só porque o Tribunal Constitucional deixou prescrever as multas a partidos e políticos por irregularidades nas contas de 2009. E na última edição do semanário “Sol” embarcámos nessa onda e revelámos que ainda não tinham sido devolvidas na íntegra as verbas das subvenções estatais pagas em excesso para a campanha autárquica do mesmo ano – como determinou o Tribunal Constitucional em 2013.
Aliás, em 2015 já tínhamos avançado que havia risco de o dinheiro – um milhão de euros – não vir a ser devolvido. O último “Sol” revelou que esse valor acabou por ser entretanto revisto a pedido dos partidos e que mesmo o novo montante não foi pago na íntegra. O valor inicialmente calculado pelos serviços da Assembleia da República como sendo o montante a devolver (um milhão de euros) foi revelado pelo “Sol” há três anos e agora ninguém diz qual foi o valor que os partidos acabaram por ter de pagar – no caso dos que já pagaram.
Mas uma coisa é certa: os partidos pagaram menos do que a Assembleia achava inicialmente que deveriam pagar. Será um perdão, uma renegociação, um acerto, um novo cálculo tendo em conta os argumentos dos partidos? Cada um chama-lhe o que quiser, mas o certo é que pagaram menos e o parlamento não gostou da expressão usada na notícia – “perdão”.
Numa carta enviada à direção do “Sol”, sem qualquer pedido de retificação da notícia, é referido pelo secretário-geral da Assembleia da República, Albino Azevedo Soares, que até agora não houve qualquer prescrição de dívida no caso das subvenções, nem qualquer perdão.
Refere-se ainda que só falta receber 2743,79 euros do valor total recalculado – mais uma vez, não se dizendo qual foi esse valor. Na missiva é criticada a direção do jornal por ter usado a expressão golpada num espaço de opinião para se referir à redução do valor a devolver pelos partidos.
“Sem pôr em causa a liberdade editorial e jornalística dessa publicação, não pode a Assembleia da República deixar de repudiar a utilização da expressão ‘golpada’ como conclusão de uma análise errada, porque infundada, que apenas conseguiu nivelar por baixo a informação do jornal que V.a Ex.a dirige”, refere o secretário-geral.
Já não é a primeira vez que a assembleia opta por enviar cartas como reação a notícias sobre gestão do dinheiro, sem pedir retificações ou dar os dados solicitados em falta (como é o caso do valor total a devolver após os últimos cálculos), apenas para demonstrar o incómodo à direção com o que foi publicado pelo jornalista.
Um parlamento do outro mundo merecia um jornalismo do outro mundo, não este, mesquinho, que se apega a questões como a boa gestão dos recursos, que nivela por baixo a informação.
Jornalista