Sul da Europa. Especialistas avisam que os megafogos vão fazer parte do quotidiano

Sul da Europa. Especialistas avisam que os megafogos vão fazer parte do quotidiano


Os incêndios estão mais perigosos e vão manter-se assim, culpa do clima e da falta de ordenamento. Especialistas apelam a maior intervenção da UE


Corpos carbonizados, carros ardidos, populações em fuga e relatos de incêndios gigantescos e com uma progressão e propagação superiores ao habitual. As descrições dos fogos que, por estes dias, estão a varrer a região da Ática, na Grécia, são em quase tudo semelhantes às da tragédia de Pedrógão, em junho do ano passado, e às dos grandes incêndios de outubro.

Os especialistas garantem que a repetição destes fenómenos extremos não é uma coincidência e avisam que os megaincêndios vão ser uma constante no sul da Europa. A culpa, explicam, é das alterações climáticas, do mau ordenamento dos territórios e das características da floresta mediterrânica. Neste contexto, a prevenção e o combate aos incêndios já não são uma tarefa isolada de cada Estado. Os especialistas com quem o i conversou defendem que são necessárias respostas à escala global e que terão de partir da União Europeia.

Na Grécia, como em Portugal ou em Espanha, os fogos florestais não são novidade. Mas, com as recentes mudanças no clima, o sul da Europa debate-se com novos desafios. “Existe um padrão que era expetável: os incêndios são cada vez mais extremos, rápidos e complicados de gerir”, aponta Francisco Rego, professor no Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa e que integrou a Comissão Técnica Independente nomeada pelo parlamento para estudar os incêndios do ano passado. Domingos Xavier Viegas, da Universidade de Coimbra e que também estudou o fenómeno de Pedrógão Grande, concorda e avisa: “Os grandes incêndios vão ser mais frequentes e já estamos a ter evidências nesse sentido.”

E há várias razões que explicam o agravamento dos fogos. Duarte Caldeira, presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil e antigo presidente da Liga de Bombeiros, aponta algumas. A começar pelas alterações climáticas. “Assistimos, no sul da Europa, a perfis meteorológicos gravosos e potenciadores de incêndios”, descreve. Ao clima mais severo junta-se a “inexistência de políticas de ordenamento do território”, que não é um problema exclusivo de Portugal. Também na Grécia – e as imagens dos incêndios dos últimos dias comprovam- -no – existem “espaços florestais invadidos por espaços urbanos” e vice-versa. A proximidade entre vegetação não controlada e habitações gera um cocktail explosivo. “Quando ocorrem ventos fortes conjugados com temperaturas elevadas, os incêndios florestais rapidamente invadem o espaço urbano”, sublinha Duarte Caldeira. Além disso, a orografia dos países do sul, com declives acentuados e zonas montanhosas, também desajuda. Quer no combate, quer nos trabalhos de prevenção.

É por isso que Francisco Rego defende que, a médio prazo, é preciso mudar a forma como é feita a gestão e o planeamento dos territórios. “E a verdade é que não tem havido esse foco. Trabalhou-se muito no combate, mas descurou-se a oportunidade de tornar a floresta mais sólida, mais organizada e até mais sustentável”, defende. Domingos Xavier Viegas chama a atenção para outra dimensão: a da falta de cultura de proteção civil entre as populações. Na Grécia, como em Portugal, muitas das vítimas morreram a tentar fugir à fúria dos fogos. “O que demonstra que os países têm de se preparar, mas também têm de saber preparar as suas comunidades para que sejam mais resilientes e adotem medidas de autoproteção adequadas.”

No que diz respeito ao combate, e com os incêndios a adquirirem proporções gigantescas, também há caminhos por desbravar. Ainda que os países do sul da Europa tenham, nos últimos anos, investido em muitos meios (a Grécia já chegou a ser o país com maior número de meios aéreos), a severidade e a imprevisibilidade do comportamento dos fogos não dão margem de manobra aos bombeiros. Por isso, e além de maior prevenção, os especialistas com quem o i conversou defendem que é preciso uma política de entreajuda entre os países da União Europeia. “Hoje reconhecemos, na Europa, que a proteção civil é uma área que tem de ter prioridade equivalente ou mesmo superior à da defesa”, acredita Duarte Caldeira. E se, até aqui, cada Estado tem procurado munir-se de meios, a partir de agora, a estratégia terá de ser global e conjunta. “Está na hora de a União Europeia e os países da Europa do sul terem em consideração esta problemática e trabalharem em políticas efetivas de adaptação às alterações climáticas”, acrescenta o antigo presidente da Liga de Bombeiros.

É certo que a entreajuda já existe. Ontem, por exemplo, vários países enviaram meios para a Grécia. E Portugal, segundo anunciou o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, também vai contribuir, fazendo chegar elementos da Força Especial de Bombeiros. Mas Xavier Viegas avisa que a cooperação tem de ser alargada a outras frentes. “Tem de se trabalhar em conjunto, mas a montante, no capítulo da prevenção e do estudo científico dos fenómenos”, defende. E Francisco Rego acrescenta: “É necessário criar uma intervenção musculada e organizada entre os Estados, com os agentes a disporem do mesmo tipo de formação, a partilharem a mesma linguagem e o mesmo conhecimento para que a cooperação seja homogénea e verdadeiramente integrada.”