Jovens ao volante


Todos os anos, milhares de jovens sofrem acidentes graves, enquanto condutores ou passageiros, de que resultam uma perda importante da sua qualidade de vida. É necessário entender as várias componentes deste puzzle e proceder às modificações nos comportamentos individuais e coletivos que poderão fazer com que conduzir dê mais prazer, seja mais útil e tenha…


Os acidentes com veículos a motor (motas e automóveis) são a maior causa de morte e de incapacidades nos jovens. Calcula-se que, para cada morte, ocorram cerca de cinco a seis incapacidades graves permanentes e à volta de cem acidentes não fatais mas que causam ferimentos suficientemente graves para necessitarem de cuidados médicos.

É sabido que o risco de sofrer ou de provocar um acidente é bastante maior para os condutores jovens do que para o cidadão em geral, e isto deve-se a dois aspetos: a inexperiência e a opção frequente por comportamentos e soluções de maior risco.

Os jovens, visto serem condutores “recentes”, têm falta de experiência que, sabe quem conduz há mais tempo, é bem necessária para ter os reflexos apropriados às diversas situações inesperadas que aparecem… para ter essa experiência é preciso, geralmente, ter passado por cenas semelhantes. Por outro lado, o próprio domínio da “máquina” é mais difícil para um jovem – talvez lidem melhor com um computador ou com um jogo de vídeo do que um adulto, mas conduzir não requer apenas rapidez e destreza, mas maturidade e calma, quer para controlar o veículo, quer para integrar a velocidade e avaliar as possibilidades do automóvel versus condições da estrada ou do terreno, enfim, o que é a avaliação sistémica própria da maturidade. O número de horas passadas ao volante antes de ter a licença de condução e as condições como o ensino é feito são aspetos essenciais.

Diga-se em abono da verdade que não são apenas os jovens que ingerem bebidas alcoólicas quando conduzem. Até talvez se possa afirmar ser cada vez maior o número de jovens que optam por não beber e ser o “condutor designado” (e resignado), ou seja, o que naquela noite se “sacrifica” e conduz os outros para casa. Também tem aumentado a opção por outras soluções como, por exemplo, combinar com um táxi ou um Uber ou Cabify para levar o grupo de volta a casa. De qualquer maneira, ainda há uma certa tendência para beber e só depois pensar que se tem de conduzir – enfim, um hábito que é preciso modificar, dadas as consequências tão bem conhecidas.

Um outro ponto prende-se com as horas e as condições em que os adolescentes conduzem: a maioria fá-lo à noite, por vezes mesmo de madrugada, e em dias (sexta, sábado) em que o trânsito é mais perigoso, já para não falar das condições de visibilidade, iluminação, etc. A condução à noite é muito mais difícil, a que acresce o cansaço do fim do dia, especialmente se se desenvolveu atividade física intensa (como dançar), e comparando com os adultos, os jovens conduzem muito mais horas à noite do que de dia: a taxa de acidentes e de óbitos é quatro vezes superior no período noturno.

Um outro dado tem a ver com as medidas de segurança passivas e ativas. O uso do cinto de segurança, por exemplo, é inferior nos jovens, muito especialmente no banco de trás, em que é praticamente nulo. Exceder a lotação do carro (que é geralmente de cinco pessoas) para ir em grupo, poupar dinheiro ou simplesmente porque é “encher até caber”, pode contribuir para que as consequências dos acidentes sejam superiores. Ainda por cima, os automóveis conduzidos por adolescentes não são, salvo raras exceções, os topo-de-gama, mas muitas vezes carros de refugo, em enésima mão, e com poucas condições de segurança; e, quando é o “carrão do papá”, a tendência é para tirar dele as máximas potencialidades, o que implica velocidades e estilos de condução perigosos.

O gosto pelos comportamentos de risco acrescido caracteriza este grupo etário. Com um carro nas mãos, um jovem fará mais frequentemente piões, curvas apertadas, adotará uma velocidade no limite do possível e tentará, como aliás o faz em relação ao próprio corpo, explorar os limites e até ultrapassá-los. O automóvel como que continua o corpo do condutor. Para além disso, numa sociedade com uma cultura (ainda) predominantemente machista, o carro serve de instrumento fálico e afirmação do “ter”. Os rapazes, por razões óbvias, estão mais em risco enquanto condutores, mas as raparigas, como passageiras, acabam por incorrer no mesmo perigo de acidente.

Então o que fazer? As aulas de condução terão de ser muito bem pensadas, tentando criar simulações e situações inesperadas que exercitem a capacidade de lhes fazer face… antes que elas apareçam na vida real, mesmo que um simulador seja apenas um simulador. Em alguns países adota-se o sistema de licenciamento gradual, com limitações à condução em algumas horas.

A fiscalização e o reforço da lei são fundamentais, e não apenas para este grupo etário.

Já tirei a carta há mais de 40 anos. Todavia, creio que, à semelhança do que acontecia, ainda se insiste muito pouco nas chamadas competências sociais do condutor, bem como na explicação do tipo de “bomba” que tem nas mãos. Os jovens estão numa fase crítica da formação cívica e ainda se pode mudar comportamentos.

Um automóvel não é um brinquedo de borracha e o ecossistema rodoviário não é um ecrã de um jogo de vídeo. Aulas de acidentologia e de anatomia e ortopedia não ficariam nada mal num curso de condução.

Chegados os 18 anos, pensa-se em tirar a carta. Nada de mais normal. Só que é bom não subestimar o que isso representa e os riscos inerentes à atividade de conduzir. Os pais e educadores têm também de ensinar algo aos jovens, até desde crianças, quando andam de carro… e é algo quotidiano! O exemplo também é fundamental, para servir de modelo aos que ainda estão no banco de trás.

Por fim, se os pais consideram que o filho ou a filha não estão ainda em condições de tirar a carta ou, tendo carta, se acham que nesse dia não devem levar o carro para aqui ou para ali, deverão impor-se.

 

Pediatra

Escreve à terça-feira