A presente resposta europeia à crise dos refugiados ameaça colocar a Europa tão à deriva como os frágeis barcos que diariamente cruzam o Mediterrâneo, cheios de migrantes que procuram um lugar ao sol no continente europeu. O direito europeu baseia-se na regra de Dublin segundo a qual os refugiados apenas podem pedir asilo político no país onde chegam em primeiro lugar. Tal tem criado uma pressão enorme sobre os países exteriores da União Europeia, que têm apelado à repartição dos refugiados pelos diversos países europeus, o que teve acolhimento nalguns países, como Portugal, mas foi principalmente aceite pela Alemanha de Angela Merkel, que em Setembro de 2015 suspendeu a aplicação da regra de Dublin para receber milhares de refugiados detidos na Hungria. Desde então, a Alemanha recebeu no total mais de um milhão de refugiados. Aliás, devido às suas excelentes condições económicas, é principalmente para a Alemanha que os refugiados desejam ir, tendo grande parte dos refugiados que Portugal recebeu abandonado já o nosso país em busca de destinos melhores.
Só que a abertura de Angela Merkel em relação aos refugiados provou um abalo gigantesco no até agora estável sistema político alemão que nem a reconstituição da grande coligação entre a CDU e o SPD está a conseguir controlar. Em primeiro lugar, nas últimas eleições, a AfD teve uma enorme votação, sendo agora a principal força de oposição ao governo. Em segundo lugar, a CSU, o partido da Baviera tradicional aliado de Merkel, ameaçou revoltar-se em virtude da sua política de abertura em relação aos refugiados. O seu presidente, Horst Seehofer, já em 2015 tinha avisado que a decisão de Merkel equivaleria a tirar a rolha de uma garrafa que não se poderia voltar a colocar. Como ministro do Interior, começou a exigir uma solução europeia para a crise dos refugiados para aliviar o fardo que hoje recai sobre a Alemanha, ameaçando fechar as fronteiras se essa solução não fosse obtida.
Neste quadro, o surgimento do novo governo italiano, com o novo ministro do Interior, Salvini, a rejeitar receber o navio de refugiados Aquarius, só serviu para agravar ainda mais o problema. Por razões humanitárias, o navio foi recebido em Espanha, mas a cisão entre os vários países europeus ficou muito clara. Juncker convocou uma cimeira sobre as migrações, a qual foi imediatamente boicotada pelos países do grupo de Visegrado (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia), desiludidos com as propostas apresentadas, pretendendo antes o fecho de fronteiras. Essa solução foi igualmente defendida pela Áustria – se fosse aceite, poria em causa o sistema Schengen, um dos pilares da União Europeia.
Foi neste enquadramento que se realizou a cimeira das migrações, onde se alcançou um dificílimo acordo, prevendo a criação de plataformas de desembarque para refugidos fora da União Europeia, centros controlados na Europa e o reforço das fronteiras. O acordo, porém, não agradou a gregos nem a troianos. As organizações humanitárias reagiram negativamente e os opositores às migrações consideraram insuficiente o acordo, tendo o ministro alemão do Interior, Horst Seehofer, ameaçado com a sua demissão. Tal como os barcos de migrantes, a Europa à deriva parece, assim, cada vez mais longe de chegar a um porto seguro.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990