Milhões de mexicanos saíram este domingo a votar nas maiores, mais importantes e, provavelmente, mais participadas eleições de que há memória. O desfecho para o mais alto cargo parecia já decidido desde o começo: salvo por um grande desastre estatístico, o próximo presidente mexicano será Andrés Manuel López Obrador, mais conhecido como Amlo, um envelhecido candidato de esquerda num país que nunca teve um líder desse lado do centro e no qual o poder foi até agora manobrado quase exclusivamente pelo partido no governo: o Partido Revolucionário Institucional. Amlo partia este domingo para as urnas com o dobro e, por vezes, o triplo dos votos que as sondagens atribuem aos seus dois rivais. Se as urnas não validarem as consultas, haverá guerra. Em 2006, quando se candidatou pela primeira vez, Amlo ficou a uma unha negra do Palácio Presidencial e, por vários meses, paralisou a Cidade do México com grandes protestos. Vestiu na mesma a faixa presidencial e autointitulou-se o “legítimo”.
O cognome provar-se-á enfim.
Os três grandes candidatos gritaram em uníssono contra a corrupção e pelo fim da violência, mas apenas Amlo parece ter capitalizado. Ascendeu sempre nas sondagens, contra as previsões dos rivais. José Antonio Meade e Ricardo Anaya chamaram-lhe os mesmos nomes que a imprensa: “messiânico”, “populista”, um género de Trump versão campestre para o homem pobre, dizendo que seria irresponsável eleger o líder de um pequeno partido para a presidência da segunda maior economia da América Latina. Amlo, contudo, convenceu o país de que apenas um homem de fora do sistema pode corrigir os males endémicos do México: metade da população vive abaixo do limiar da pobreza, a economia está estagnada há dez anos; os salários, também; e os cartéis são hoje ubíquos. Este ano será quase certamente o mais violento na história moderna do país: mais de 13 mil pessoas foram assassinadas até julho.
As eleições são críticas e até Donald Trump, que em breve pode estar do lado de lá de um muro, foi praticamente uma não ocorrência – os três candidatos prometem em conjunto ser cordiais com o vizinho. Só a violência e a corrupção interessam a um eleitorado renovado, jovem e aparentemente desesperado. “A bandidagem oficial está prestes a terminar”, promete Amlo, dizendo aquilo que nenhum outro candidato pode afirmar: que ele e o seu partido, o Morena, não fazem parte da máquina trituradora montada em praticamente todos os níveis de poder, dos generais aos ministros, e que todos os anos resulta numa obscena montanha de indícios de corrupção – o presidente de partida, Enrique Peña Nieto, não foge à regra: sob muitas suspeitas, a sua mulher comprou uma mansão por sete milhões de dólares a uma construtora do Estado. Neste mundo, Amlo é um risco necessário, por muito que protestem os rivais. “Acho que muitas pessoas ainda não se aperceberam de que criámos um país onde muitas pessoas nada têm a perder”, contava esta semana Viridiana Ríos, uma jovem intelectual de esquerda. “É uma crise humanitária. [Amlo] é uma aposta, mas, quando não temos nada a perder, pode jogar-se com mais risco.”
A presidência mexicana, todavia, era este domingo apenas o cargo mais relevante numa maré de concursos eleitorais. O México parecia ter ido por inteiro a votos: estavam em jogo todos os assentos do novo Congresso Nacional – 128 senadores e 500 deputados –, para além de oito governadores, o presidente do governo da Cidade do México e milhares de funcionários públicos: ao todo, 14600 cargos nos 32 estados. Quanto mais local a eleição, mais se sentem as mãos dos cartéis de droga mexicanos, hoje profundamente inseridas no bolo da política. Desde setembro do último ano e até este domingo, 128 candidatos ou possíveis candidatos foram assassinados.