À míngua de incêndios catastróficos


Comentadores, jornalistas e políticos “atiça-fogos” dão tratos de polé à imaginação em busca de eventos que calamitosos que sirvam de pretexto para reclamar do Presidente “tablóide” a queda deste governo


À míngua de incêndios catastróficos – que esta Primavera não está pelos ajustes e até já puseram 75 incendiários frustrados no xilindró – comentadores, jornalistas e políticos “atiça-fogos” dão tratos de polé à imaginação em busca de eventos calamitosos que sirvam de pretexto para reclamar do nosso Presidente “tablóide” a queda deste governo oriundo do “esquerdalho”. Dir-se-ia uma demanda absurda mas já se sabe que, como dizia Napoleão Bonaparte, “em política o absurdo não é um obstáculo”. Talvez as greves dos professores. Talvez a exigência de mais reformas, um “must” recorrente do PPD-PSD. Não chegam aos calcanhares dos incêndios catastróficos, mas, como exclamava às tantas a Manteigui, no famoso poema erótico e satírico que Bocage lhe dedicou: “Não há gosto perfeito nesta vida!”…

Cavalgar as greves dos professores é perigoso, porque os “atiça-fogos” são anti-comunistas e neste caso não basta que um dos sindicatos pró greve seja dominado por gente do PPD-PSD, porque quem domina as greves é o sindicato do PCP. Então, talvez a exigência de reformas, um tema apaixonante brandido pelo PPD-PSD desde tempos imemoriais, mas nunca posto definitivamente em prática durante os muitos anos em que esteve no poder – não, nem durante o “cavaquismo”, leia-se o magnífico ensaio de Teodora Cardoso intitulado “Cavaco Silva, a Ciência Económica e a Política (Uma Análise Crítica)”, de 2005. Salvo, é claro, as brutais reformas impostas pela “troika” e executadas com muita alegria pelo famoso governo de Passos-Portas-Crato-Cristas. Aí, sim, é que foi fartar vilanagem: sacrifícios esmagadores para todos os portugueses mais desfavorecidos, punção a escopro e martelo dos rendimentos da classe média, debilitação constante do Estado Social, e outras maroteiras “filhas da senhora sem cama certa”…

Reformas, ai as reformas! Vem-me sempre à memória o “partido reformista” no qual o Eça de Queiroz tanto zurziu em “Uma campanha alegre” (1871): “Era um estafermo austero, pesado, de voz possante. Ninguém sabia bem o que aquilo queria. Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-seda”. Mais: “Ninguém se aproximava dele, no meio da imensa impressão que causava nos moços de fretes”. E “moços de fretes” são, hoje, uma espécie cheia de exemplares, tanto no jornalismo como na política…

Ora bem, e o que dizia esse partido reformista sobre o seu sistema, os seus princípios, a moral, a educação, o trabalho e por aí adiante? Pois, para “espanto geral”, a sua resposta era monossilábica e percuciente: “Economias! – disse com voz potente o partido reformista”. E era esta, e só esta, a resposta que ele bradava, roncava, mugia, rugia, uivava, rouquejava, bravejava e gania – para utilizar os verbos a que Eça recorreu para tornar mais impressiva a resposta monossilábica. A coisa chegou mesmo ao ponto de lhe perguntarem: “Que horas são?” e o partido reformista responder: “Economias!”. E de lhe perguntarem: “De quem gosta mais, do papá, ou da mamã?”, e o partido reformista responder: “Economias!”. E Eça rematava: “Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias. Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender”. Como “o papagaio do Constitucionalismo”, dizia Eça. Como o “papagaio da troika”, digo eu, lembrando-me sempre do governo de Passos-Portas-Crato-Cristas”. Enfim, há-de chegar o tempo em que se pedirá ao actual “partido reformista” mais reformas, e ele, exaurido pelo monossíbolo, irá responder, como aquele “bruto que suava” ao serviço da Manteigui: “Mim não tem mais!”…

 

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990