A frase não a li ou ouvi, inventei- -a para título deste texto. Se o efeito for chocante, as minhas desculpas, mas foi propositado, porque pretendo chamar a atenção de forma impressiva para a discussão relativa à questão da eutanásia. O texto não é sobre a eutanásia, seja para analisar a matéria conceptual ou jurídica (nomeadamente, acerca das diferentes figuras e questões), seja para justificar o que penso sobre o assunto, sendo certo que aqui fica dito, em jeito de declaração de interesses para o resto do texto (se acaso ela for necessária), que eu gostaria de viver num país onde quem me ajudasse a morrer (com certo enquadramento) não tivesse de ser perseguido pela lei, digamos assim. Mas não quero convencer ninguém, que de proselitista tenho pouco e também não sou, nesta como noutras questões, refém da “máquina infernal da certeza” (expressão de uma escritora que admiro, Luísa Costa Gomes), embora, para mim, a respeito das ditas questões fraturantes, esta seja das mais fáceis de me decidir (bem mais fácil, por exemplo, do que o aborto, por estranho que possa parecer a alguns, nomeadamente aos sacerdotes de Maniqueu).
Mas, como disse, do que quero aqui curar é de outra coisa, qual seja certos aspetos da discussão, essencialmente na vertente pública, mas também transpostos para a discussão em círculos mais restritos. Que aspetos? Os que se prendem com o recurso a slogans e ideias que, com o devido respeito, criam falsas alternativas, empobrecem a discussão e até infantilizam o discurso. O exemplo mais acabado disso é o “não mates, cuida” que por aí se disse e circulou, mas também podia invocar coisas como “vida sim, morte não” ou “cuidados paliativos sim, eutanásia não”. Tudo isto, perdoem-me, passa ao lado do que está em causa e é, aliás, demagógico. E até ofende um bocadinho quer quem ouve e escuta (que não é infantil), quer quem defende a (digamos, sem grande rigor jurídico) despenalização da eutanásia. Da mesma forma que ofenderia se estes últimos escolhessem para lema a frase que inventei para titulo, “não tortures, mata”. São falsas alternativas, porque quem acha que a eutanásia deveria ter outro tratamento legal não defende a morte e não acha que os cuidados paliativos não sejam uma coisa importante, nem pretende menorizar a necessidade de cuidar. Da mesma forma que quem defende que a eutanásia deva continuar no terreno do ilícito não pretende glorificar o sofrimento, e muito menos apouca a dignidade do doente. Nada disso é questão, e questões sérias e difíceis a discutir há muitas, de um lado e de outro (se é que nestas coisas há lados), razão pela qual me desagrada esta forma simplista de colocar os problemas que reduz tudo a antinomias aparentes e fáceis, a preto-e- -branco, mais próprias de jogos de índios e cowboys do que de uma sociedade adulta, democrática e livre que saiba discutir com serenidade e profundidade temas sérios que se prendem com o valor essencial da nossa vida coletiva, que é a dignidade da pessoa humana, nas suas múltiplas vertentes e incidências.
Escreve quinzenalmente à sexta-feira