Foi a Ana que tirou e me enviou a fotografia, julgo que acompanhada por um smile (adequada expressão da sua alegria sempre genuína e contagiante). Tínhamos acabado de almoçar, era um dia de inverno, com muito sol, seguíamos em automóveis diferentes, já nem sei bem para onde, algum lugar naquele Portugal longe de tudo, quase na fronteira com Espanha. Guardei a fotografia logo nesse dia, aquele homem (aquele velho – não tenhamos medo das palavras) ali sozinho, encostado a um muro branco com uma cruz, ficou-me na retina e na cabeça, como símbolo forte de alguma coisa. Sabia que um dia escreveria sobre esta fotografia, e logo ali me lembrei do título do livro de Baptista-Bastos que agora furto para encimar este texto, um livro que li há muitos anos. Confesso que já não recordo exatamente qual era o conteúdo do livro, e devo tê-lo algures bem arrumado entre outros milhares, mas o título é belíssimo: “Um Homem Parado no Inverno”, nunca mais dele me esqueci, e esta fotografia fez-me pensar nele.
Achei que escreveria sobre ela como imagem da vida, algo sobre a solidão ou sobre a simplicidade das coisas essenciais, ou sobre um muro para nos amparar, ou sobre tudo isso junto. Achei que escreveria, entre o mais, e sem dúvida, sobre estarmos sempre e irremediavelmente sós, desde (e sobretudo aí) o nascimento à morte, apesar de todos os muros e cruzes e tudo o mais que nos ampara e nos acompanha na vida, e sem o que ela seria talvez impossível. Mas o tempo foi passando, não escrevi, guardei a foto, de vez em quando lembrava-me dela.
Nos últimos dias voltei a lembrar-me, apesar de já terem passado meses e de já ser primavera, será verão daqui a nada, o tempo escorre desesperadamente veloz. E lembrei-me dela a respeito da minha profissão, a advocacia, que faço essencialmente no tribunal. Também aí conta muito a simplicidade das coisas essenciais, também aí estamos em cada segundo e em cada decisão irremediavelmente sós, embora desejavelmente amparados num sólido muro – o muro do trabalho, do estudo e da coragem, entre o mais, mas também, e esse tenho tido a felicidade de o ter sempre (hoje e no passado), o muro da companhia de colegas muito capazes e com quem se pode fazer equipa ( e, sem isso, nada é possível). Mas é como na vida, há sempre um traço de solidão e de irremediável confronto connosco mesmos e com a nossa nudez absoluta, e aí não há cruz que nos valha, só três coisas nos podem guiar, seja nas decisões que levam dias seja nas que levam segundos: a inteligência, a consciência e a coragem. Não fora ser um vernáculo demasiado carregado para uma crónica de jornal, eu diria que, tal como na vida que aquele velho da fotografia atravessou, tudo se resume a duas coisas, anatomicamente bem identificadas: cabeça e…
Escreve quinzenalmente à sexta-feira