Filhos de Ninguém


A lentidão ou a inexistência de medidas de intervenção imediatas e eficazes por parte do sistema, transformam-se, a longo prazo, num passaporte para os estabelecimentos prisionais


A proteção à infância passou a ser encarada como um dever público. Quando se trata de crianças ou menores envolvidos em situações de risco, as autoridades com responsabilidade nesta área, sejam elas policiais, judiciais ou outras, evidenciam, muitas vezes, relutância na abordagem aos conflitos, o que deixa transparecer, desde logo, a complexidade que lhes está subjacente. Por este motivo, tudo o que possa ser feito ou sugerido, para melhorar os canais de comunicação entre todas as entidades envolvidas, deve ser encarado como mais-valia.

Hoje, há uma necessidade acrescida das organizações, tal como acontece no Sistema Nacional de Promoção e Proteção, de serem eficientes, crescerem e desenvolverem a sua capacidade de se adaptar, para sobreviverem às rápidas transformações da sociedade.

A Comissão para a Proteção das Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) é uma entidade oficial, não judiciária, com autonomia funcional, de composição plural partilhada por entidades públicas e privadas com competência na área da infância e juventude, que visa promover os direitos das crianças e dos jovens, prevenindo ou pondo termo a situações suscetíveis de afetar a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento integral.

O domínio de ação da CPCJ surge, quando às entidades com responsabilidades em matérias de infância e de juventude não seja possível atuar, de forma adequada e suficiente, para remover o perigo, sempre que exista consentimento expresso dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto e, ainda, sempre que não exista a oposição da criança ou jovem com idade igual ou superior a 12 anos. As medidas utilizadas pela CPCJ são as mais variadas e subdividem-se em duas categorias: medidas de meio natural de vida e medidas de colocação.

Quando se fala em crianças ou jovens em risco/perigo, o Tribunal competente pode ser o de Comarca ou de Família e de Menores. Em todos os Tribunais, é o Ministério Público (MP) que assume o papel de defensor dos direitos das crianças e jovens, isto é, de defender e apoiar as vítimas de ações ou omissões que põem em causa o seu processo de socialização. A este nível, os Procuradores do MP designam-se de Curadores de Menores, existindo sempre um Procurador de turno a exercer essas funções, para dar resposta à participação de uma situação de perigo.

Importa aqui alertar para os efeitos nefastos que os procedimentos processuais poderão desencadear sobre as crianças, nunca esquecendo que, por norma, são casos que evidenciam famílias caracterizadas por uma acentuada desestruturação, onde predominam as profissões assalariadas de baixo estatuto económico e social e os níveis de escolaridade baixos, todavia também outros estatutos sociais não são imunes a estas disputas. As próprias relações familiares são tensas e violentas, registando-se atitudes de negligência quotidiana, exigindo, por vezes, a institucionalização dos menores.

A exposição a modelos de comportamento desviante, como, por exemplo, a violência doméstica, o uso de estupefacientes, o abandono escolar, o abuso sexual, a troca de papéis entre pais e filhos, em que estes últimos se tornam pequenos ditadores, entre outros tantos casos que poderíamos salientar, e a lentidão ou a inexistência de medidas de intervenção imediatas e eficazes por parte do sistema, transformam-se, a longo prazo, num passaporte para os estabelecimentos prisionais.

Logo, um bom sistema de comunicação entre os organismos interdependentes deve permitir aos membros do grupo um contacto rápido, em que cada responsável deve ter em mente a importância do problema da comunicação e tratá-lo com seriedade. Neste domínio, parece que se está muitas vezes em presença de hábitos, tradições e ideias pré-definidas que tornam difícil a solução dum problema cuja existência cada um finge ignorar. O trabalho em rede formal e informal, como o estabelecimento de parcerias, é fundamental no apoio às famílias, em que as plataformas de entendimento/consenso favorecem decisões promissoras para as famílias e, principalmente, para as crianças. E só assim se favorece a eficiência e otimização das equipas multidisciplinares e dos possíveis mecanismos comunicacionais de gestão organizacional.

A cooperação contínua, enquanto intenção estratégica, caracteriza-se por ser uma postura no processo de “conflito” assente na procura da satisfação do interesse de ambas as partes e, mais importante ainda, no superior interesse da criança, da vítima. Esta colaboração familiar com as comunidades de interesse nesta temática permite aumentar o conhecimento na área, impulsionar metodologias de trabalho e gerar estratégias de intervenção que melhoram a qualidade de vida dos envolvidos.

A família é indiscutivelmente uma instituição com responsabilidades acrescidas na estruturação e socialização dos indivíduos, pois estes serão sempre um reflexo do que foi a sua socialização primária, sendo que o comportamento destes perante o sistema social onde estão inseridos, resulta em grande medida pelo respeito em torno dos valores e normas que emanam desse grupo social/cultural mas também pela definição do modelo de família que o indivíduo tem interiorizado pela educação familiar que recebeu.

De acordo com Sigman (1987), os indivíduos são “produtos sociais continuados”, entidades ou “momentos enraizados em processos e estruturas”. Logo, a comunicação entre e no seio das entidades aqui realçadas (CPCJ/Tribunal), necessita de uma gestão cuidada, para que os resultados obtidos possam configurar o tão desejável “superior interesse da criança”, e só assim os agentes envolvidos poderão almejar um trabalho profícuo das suas ações conjuntas e interdependentes, com vista a prossecução de um projeto de vida adequado às necessidades e capacidades de cada família.

A união é a chave determinante do sucesso, alicerçada num bom plano comunicacional, que favorecerá a eficiência organizacional. Um sistema de contribuição-retribuição que defina o que os elementos (CPCJ e Tribunais) devem dar e devem receber. Além dos profissionais envolvidos, os investigadores devem procurar investigar e informar, para se poder criar metodologias, propor novas formulações teóricas e capacitar pessoas para as intervenções.

Quando os pais, representante legal ou quem detenha a guarda de facto do menor não são capazes de assegurar o bem-estar e desenvolvimento da criança, a sociedade tem obrigação de dar respostas eficazes na decisão do futuro destes menores. Contudo, o que se sente é que, dadas algumas ineficiências do próprio sistema e do seio familiar, estas crianças e jovens acabam por ser considerados “filhos de ninguém”, nem do sistema e das próprias organizações que as trabalham e nem da própria família.

As crianças são o nosso futuro e compete-nos promover as medidas necessárias para lhes garantirmos as melhores condições de vida durante o seu desenvolvimento.


Filhos de Ninguém


A lentidão ou a inexistência de medidas de intervenção imediatas e eficazes por parte do sistema, transformam-se, a longo prazo, num passaporte para os estabelecimentos prisionais


A proteção à infância passou a ser encarada como um dever público. Quando se trata de crianças ou menores envolvidos em situações de risco, as autoridades com responsabilidade nesta área, sejam elas policiais, judiciais ou outras, evidenciam, muitas vezes, relutância na abordagem aos conflitos, o que deixa transparecer, desde logo, a complexidade que lhes está subjacente. Por este motivo, tudo o que possa ser feito ou sugerido, para melhorar os canais de comunicação entre todas as entidades envolvidas, deve ser encarado como mais-valia.

Hoje, há uma necessidade acrescida das organizações, tal como acontece no Sistema Nacional de Promoção e Proteção, de serem eficientes, crescerem e desenvolverem a sua capacidade de se adaptar, para sobreviverem às rápidas transformações da sociedade.

A Comissão para a Proteção das Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) é uma entidade oficial, não judiciária, com autonomia funcional, de composição plural partilhada por entidades públicas e privadas com competência na área da infância e juventude, que visa promover os direitos das crianças e dos jovens, prevenindo ou pondo termo a situações suscetíveis de afetar a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento integral.

O domínio de ação da CPCJ surge, quando às entidades com responsabilidades em matérias de infância e de juventude não seja possível atuar, de forma adequada e suficiente, para remover o perigo, sempre que exista consentimento expresso dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto e, ainda, sempre que não exista a oposição da criança ou jovem com idade igual ou superior a 12 anos. As medidas utilizadas pela CPCJ são as mais variadas e subdividem-se em duas categorias: medidas de meio natural de vida e medidas de colocação.

Quando se fala em crianças ou jovens em risco/perigo, o Tribunal competente pode ser o de Comarca ou de Família e de Menores. Em todos os Tribunais, é o Ministério Público (MP) que assume o papel de defensor dos direitos das crianças e jovens, isto é, de defender e apoiar as vítimas de ações ou omissões que põem em causa o seu processo de socialização. A este nível, os Procuradores do MP designam-se de Curadores de Menores, existindo sempre um Procurador de turno a exercer essas funções, para dar resposta à participação de uma situação de perigo.

Importa aqui alertar para os efeitos nefastos que os procedimentos processuais poderão desencadear sobre as crianças, nunca esquecendo que, por norma, são casos que evidenciam famílias caracterizadas por uma acentuada desestruturação, onde predominam as profissões assalariadas de baixo estatuto económico e social e os níveis de escolaridade baixos, todavia também outros estatutos sociais não são imunes a estas disputas. As próprias relações familiares são tensas e violentas, registando-se atitudes de negligência quotidiana, exigindo, por vezes, a institucionalização dos menores.

A exposição a modelos de comportamento desviante, como, por exemplo, a violência doméstica, o uso de estupefacientes, o abandono escolar, o abuso sexual, a troca de papéis entre pais e filhos, em que estes últimos se tornam pequenos ditadores, entre outros tantos casos que poderíamos salientar, e a lentidão ou a inexistência de medidas de intervenção imediatas e eficazes por parte do sistema, transformam-se, a longo prazo, num passaporte para os estabelecimentos prisionais.

Logo, um bom sistema de comunicação entre os organismos interdependentes deve permitir aos membros do grupo um contacto rápido, em que cada responsável deve ter em mente a importância do problema da comunicação e tratá-lo com seriedade. Neste domínio, parece que se está muitas vezes em presença de hábitos, tradições e ideias pré-definidas que tornam difícil a solução dum problema cuja existência cada um finge ignorar. O trabalho em rede formal e informal, como o estabelecimento de parcerias, é fundamental no apoio às famílias, em que as plataformas de entendimento/consenso favorecem decisões promissoras para as famílias e, principalmente, para as crianças. E só assim se favorece a eficiência e otimização das equipas multidisciplinares e dos possíveis mecanismos comunicacionais de gestão organizacional.

A cooperação contínua, enquanto intenção estratégica, caracteriza-se por ser uma postura no processo de “conflito” assente na procura da satisfação do interesse de ambas as partes e, mais importante ainda, no superior interesse da criança, da vítima. Esta colaboração familiar com as comunidades de interesse nesta temática permite aumentar o conhecimento na área, impulsionar metodologias de trabalho e gerar estratégias de intervenção que melhoram a qualidade de vida dos envolvidos.

A família é indiscutivelmente uma instituição com responsabilidades acrescidas na estruturação e socialização dos indivíduos, pois estes serão sempre um reflexo do que foi a sua socialização primária, sendo que o comportamento destes perante o sistema social onde estão inseridos, resulta em grande medida pelo respeito em torno dos valores e normas que emanam desse grupo social/cultural mas também pela definição do modelo de família que o indivíduo tem interiorizado pela educação familiar que recebeu.

De acordo com Sigman (1987), os indivíduos são “produtos sociais continuados”, entidades ou “momentos enraizados em processos e estruturas”. Logo, a comunicação entre e no seio das entidades aqui realçadas (CPCJ/Tribunal), necessita de uma gestão cuidada, para que os resultados obtidos possam configurar o tão desejável “superior interesse da criança”, e só assim os agentes envolvidos poderão almejar um trabalho profícuo das suas ações conjuntas e interdependentes, com vista a prossecução de um projeto de vida adequado às necessidades e capacidades de cada família.

A união é a chave determinante do sucesso, alicerçada num bom plano comunicacional, que favorecerá a eficiência organizacional. Um sistema de contribuição-retribuição que defina o que os elementos (CPCJ e Tribunais) devem dar e devem receber. Além dos profissionais envolvidos, os investigadores devem procurar investigar e informar, para se poder criar metodologias, propor novas formulações teóricas e capacitar pessoas para as intervenções.

Quando os pais, representante legal ou quem detenha a guarda de facto do menor não são capazes de assegurar o bem-estar e desenvolvimento da criança, a sociedade tem obrigação de dar respostas eficazes na decisão do futuro destes menores. Contudo, o que se sente é que, dadas algumas ineficiências do próprio sistema e do seio familiar, estas crianças e jovens acabam por ser considerados “filhos de ninguém”, nem do sistema e das próprias organizações que as trabalham e nem da própria família.

As crianças são o nosso futuro e compete-nos promover as medidas necessárias para lhes garantirmos as melhores condições de vida durante o seu desenvolvimento.