A violação é crime, não uma fantasia


Uma mulher bêbeda pede ajuda para encontrar o carro onde estava o seu amigo e é violada por cinco homens, um dos quais guarda civil e outro militar, e tudo não passa de um mero abuso sexual, não havendo lugar ao crime de violação? Mas estes juízes não têm mãe, mulher, filhas ou sobrinhas?


Lara Logan, repórter da CBS, fazia a cobertura da Primavera Árabe no Egito, em 2011, quando foi separada do seu colega e dos seguranças para ser violada por dezenas de homens. O seu testemunho impressionou-me bastante quando admitiu que não lhe restou outra alternativa a não ser não oferecer resistência e esperar que aquela selvajaria acabasse. Não sei se alguém foi preso, mas acredito que as autoridades locais não se devem ter importado muito com o acontecimento. Por aquelas latitudes, a mulher não passa de um mero objeto.

Ontem, a Espanha saiu à rua para protestar contra a sentença do grupo La Manada – cinco homens, que se autointitulavam assim no WhatsApp, violaram uma jovem de 18 anos nas festas de San Fermín, em Pamplona, a 7 de junho de 2016. Concluíram os juízes que houve “abuso sexual continuado”, mas não existiu violação. Por isso, os homens foram condenados a nove anos de prisão, fugindo aos mais de 20 que pedia a acusação. Um dos juízes chegou mesmo a fazer uma declaração de voto a defender a inocência dos homens, já que nos vídeos se notava que a mulher não ofereceu resistência e até “se viam no seu rosto expressões de consentimento e agrado”. Por causa desta sentença tão ridícula, os espanhóis estão a inundar as ruas de várias cidades protestando contra a decisão judicial.

O caso vem, de novo, realçar a forma como alguma sociedade ainda encara o sexo e a violência associada a ele. Então uma mulher bêbeda pede ajuda para encontrar o carro onde estava o seu amigo e é violada por cinco homens, um dos quais guarda civil e outro militar, e tudo não passa de um mero abuso sexual, não havendo lugar ao crime de violação? Mas estes juízes não têm mãe, mulher, filhas ou sobrinhas? Não sabem que uma coisa é uma orgia consentida por todos os intervenientes e outra, bem diferente, é a violação de uma mulher com os copos que apenas queria ir dormir no carro onde estava o seu amigo? Será que o poder judicial ainda não percebeu, no que a estes crimes diz respeito, que estamos no séc. XXI e não na Idade Média?