Diz que é uma espécie de lume brando


Ponderado o pó e a poieira no ar, não nos choca o exercício, desde que não seja um frágil suporte para uma conversa na linha de “fizemos tudo o que era possível na prevemção” ou “nós avisámos”.


Entrámos no cone de aspiração para as eleições legislativas de 2019, cujo primeiro ato será o processo de configuração do Orçamento do Estado para esse ano eleitoral, que já fervilha com os posicionamentos, estados de alma e preparações técnicas que lhe estão inerentes. Entre uma espécie de marinada das questões estruturais e a gestão do dia-a-dia, soube-se que o défice de 2017 não correspondeu, afinal, ao anunciado – por imposição do lançamento da boia de salvação do contribuinte à Caixa Geral de Depósito, ficou-se pelos 3% – e que a carga fiscal atingiu em 2017 o valor mais alto das últimas duas décadas. As manobras de suporte básico de vida à banca já vão em 17 mil milhões de euros, com a chancela forçada dos contribuintes portugueses, e a carga fiscal já atingiu os arredondados 37% do produto interno bruto.

Neste quadro de equilíbrios entre as regras de Bruxelas e as reivindicações nacionais, são já indisfarçáveis as escaramuças entre a mão férrea das Finanças e as tentações despesistas setoriais, com incontornáveis debilidades e insatisfações dos serviços, no cumprimento das suas missões de serviço público. A manta, agora como no passado, não chega para tudo, mas há quem em nome da luta do dia de hoje não se importe de hipotecar o futuro e até o que tem contribuído para os resultados de consolidação alcançados.

A política real é feita de opções. Como dizia alguém, é a compatibilização entre os recursos disponíveis e as necessidades existentes, num desafio cada vez mais tolhido pelos interesses, pelo imediatismo e pelo populismo. Há muito que é assim, não sendo de estranhar, quiçá só no grau, o nível de exposição à manipulação a que o mundo digital nos sujeita. A situação é particularmente grave quando estamos num país em que a regra da formação ao longo do crescimento e da vida é a da reprodução dos conhecimentos, e não da sua apreensão com capacidade de reflexão e de triagem. Somos sobretudo formatados para o empinanço, não para a reflexão crítica, o escrutínio ou a exigência, pressupostos básicos de cidadania.

Este é o momento pleno do novo quadro de referência da solução governativa e da Presidência da República. O momento em que o que não for provido nas reivindicações junto do governo terá recurso afetuoso no Palácio de Belém, convertido em instância de esperança na retribuição de algo mais que um afeto ou uma solidariedade.

O estranho é que num país em que todos os líderes políticos se mobilizaram para promover a candidatura de Portugal à organização do Campeonato da Europa de Futebol em 2004, eles não consigam convergir para as questões da floresta, da demografia, da sinistralidade rodoviária, da pobreza e da exclusão social, da desertificação ou do aprofundamento das políticas de proximidade. É certo que a cada dia que passa somos confrontados com a morte lenta, em lume brando, do mundo como o conhecemos. Menos um balcão de um banco ali, menos uns CTT acolá, num sentido de afastamento das pessoas e dos territórios, em busca da escala virtuosa dos lucros fáceis. Mesmo com caminhos diferentes, impunham-se mais convergências nos grandes desafios que temos pela frente.

Vem também isto a propósito da campanha de limpeza da floresta e das áreas envolventes das habitações. Podemos ter muitas dúvidas sobre as opções da prevenção e de combate em preparação para a época de incêndios, e até existir uma incontornável tentação de folclore na jornada de trabalho pela limpeza da floresta do passado fim de semana, mas a sensibilização faz-se com comunicação em grande escala e mobilização de protagonistas e de recursos. Ponderado o pó e a poeira no ar, não nos choca o exercício, desde que não seja um frágil suporte para uma conversa na linha de “fizemos tudo o que era possível na prevenção” ou “nós avisámos”. Até porque não tinha ficado nada mal um redobrado esforço de humildade perante a globalidade do relatório sobre os incêndios de 15 de outubro de 2017.

Aqui como na forma como se comportam os apoiantes da solução governativa há uma espécie de lume brando em que os resultados da governação alcançados com uma certa dose de austeridade e rigor financeiro não podem ser valorizados, sob pena de perpetuarem o aperto e inviabilizarem a ampliação das reivindicações de mais despesa. E o lume brando é extensivo ao bullying partidário a que está sujeito o líder do PSD, logo agora que há pedidos do chefe do governo para que o homem possa ter um período de tréguas até ao fecho de alguns pacotes em negociação. Estão a colocar em risco os arranjos centrais.

Neste contexto de lume brando, a toque da gestão do quotidiano, não será de estranhar que a rua ganhe renovado peso para a reivindicação, que a incoerência das posições adotadas ganhe particular expressão e que o Presidente da República se converta numa espécie de provedor do cliente democrático, caixa de ressonância de todas as desilusões governativas. Estaremos cada vez mais na fase de ter de se dizer não, o verdadeiro momento de verdade de qualquer liderança. Fazer opções sustentáveis em política sempre foi um exercício ao alcance de apenas alguns.

Notas Finais

Era de se ver Agora que começou a primavera e que já se alterou a hora, talvez não fosse mal pensado começar a trabalhar a sério na preparação da época balnear. Com as agitações marítimas ocorridas, há muitas praias que alteraram substancialmente o perfil e os seus riscos. Prevenção e informação precisam-se.

Estou-te a ver Na economia, na política dos interesses e no futebol. São tão evidentes as campanhas em curso na comunicação que não são precisos os dados de nenhum Facebook para evidenciar as manipulações.

 

Militante do Partido Socialista

Escreve à quinta-feira