O Ministério Público quer que o ex-secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa, José Manuel Canavarro – do governo de Santana Lopes – devolva mais de 220 mil euros (223.701,57 euros), que terá recebido indevidamente. Em causa está um alegado esquema de corrupção no grupo GPS, que detém 15 colégios e que terá usado indevidamente mais de 30 milhões de euros dos cofres do Estado.
Ao i o ex-governante acusado de corrupção passiva neste caso já fez saber que vai a pedir a abertura de instrução, para tentar evitar ir a julgamento. Isto porque, alega José Manuel Canavarro, a “acusação não tem qualquer fundamento”.
Entre 2005 e 2013 o grupo GPS (Gestão e Participações Sociais) recebeu mais de 300 milhões de euros do Ministério da Educação, através de contratos de associação – que financia turmas em escolas privadas em zonas onde não há resposta suficiente de escola pública – parte destes recursos terão sido desviados para pagar viagens, refeições, mobília, carros e outros bens. Os cinco administradores do grupo estão acusados de crimes como corrupção ativa, peculato, falsificação de documentos, burla qualificada e abuso de confiança qualificado.
O alegado favorecimento de Canavarro
De acordo com a acusação do MP – a que o i teve acesso – os 223 mil euros foi o valor calculado em contrapartidas e em salários que José Manuel Canavarro recebeu entre 2005 e 2011 enquanto prestou o serviço de consultoria para o grupo GPS depois de ter saído do governo.
O MP acredita que o ex-governante – que foi secretário de Estado entre 21 de julho de 2004 e 12 de março de 2005 e que também foi deputado eleito pelo círculo de Coimbra do PSD entre 2011 e 2015 – terá tomado decisões que favoreceram financeiramente o grupo GPS, em troca do cargo de consultor, que exerceu posteriormente.
Em causa está a autorização concedida por Canavarro e pelo então diretor regional da Educação de Lisboa, José Maria de Almeida, para o grupo abrir quatro colégios (dois no concelho de Mafra e outros dois no concelho das Caldas da Rainha) e de mais turmas num colégio já em funcionamento. Também o ex-diretor regional de Educação está acusado de corrupção passiva e o MP pede que devolva ao Estado mais de 80 mil euros, que terá recebido em cargos que desempenhou no grupo.
A autorização para a abertura dos colégios foi concedida cinco dias antes das eleições legislativas de 2005, que acabaram por afastar do poder o governo de Santana Lopes. A autorização terá sido dada após uma reunião que decorreu “em outubro ou novembro” entre os administradores do grupo com Canavarro e José Maria de Almeida, depois de o então Presidente da República, Jorge Sampaio, dissolver a Assembleia da República e de convocar eleições.
No entanto, ao i, José Canavarro diz que os “contratos referidos na acusação foram celebrados 20 meses depois da saída do governo”, a 6 de novembro de 2006. Documentos estes que diz que apresentou ao MP. Sobre a devolução dos 220 mil euros não responde.
O uso do dinheiro para viagens, carros e mobília
Entre os cinco administradores do grupo que estão acusados encontra-se António Calvete, ex-deputado do PS e ainda Manuel Madama, António Madama, Fernando Catarino e Agostinho Ribeiro, que foram professores ou diretores de colégios. Em 2003 uniram esforços e fundaram o grupo GPS, com sede em Leiria, do qual faziam parte os colégios dos quais já eram proprietários. Um destes colégios – o Instituto D. João V – tem contratos de associação desde 1986. No entanto o prazo de prescrição dos eventuais ilícitos económicos cometidos em funções públicas, que é de dez anos nos casos de corrupção passiva no setor privado, impediu que a investigação analisasse as verbas recebidas antes de 2005.
A acusação apresenta uma longa lista de refeições, de viagens, de carros e de mobília que terá sido comprada com as verbas dos contratos de associação. Só em refeições os valores ascendem a 44.012,60 euros gastos ao longo de oito anos, entre 2005 e 2012. Em 2005, o espaço de eleição para as refeições dos administradores do GPS foi o restaurante A Taberna, em Coimbra. Nesse ano, ao todo, foram gastos 6.223,40 de euros, de acordo com faturas apresentadas pelo arguido António Calvete. Em 2006, a acusação refere que foram consumidas, às refeições, bastantes garrafas de vinho “cujo preço variou entre €75 e €120 a garrafa”. Já em 2007, o ano em que o valor das facturas apresentadas foi mais elevado, registaram-se 8.673,74 euros gastos em restaurantes como O Manjar do Marquês, Cervejália, Amigos da Velha ou Puttanesca. A lista prossegue e no ano de 2012 uma única factura do restaurante Horta dos Brunos valia 4.200 euros.
Entre as despesas apresentadas pelos administradores da empresa encontra-se ainda viagens e alojamento, com um valor que ascende a 130.633,91 euros incluindo, em 2005, um cruzeiro nas Caraíbas do Sul no valor de 21.048 euros.
Foram ainda registadas viagens e alojamentos pagos para quatro pessoas a Luanda e Tenerife; cruzeiros em Porto Rico para duas pessoas; viagens e estadias em Cabo Verde ou Londres e inclusivamente na Madeira.
A acusação refere ainda a existência de outras despesas a título pessoal como gastos para telemóveis (1.23,90 euros), artigos de fumador (254 euros), marroquinaria (514 euros), bilhetes para o Cirque du Soleil e livros (248,71 euros) e utensílios para casa (132,90 euros).
Segundo a acusação do Ministério Público, os administradores do grupo GPS terão ainda usado fundos públicos para pagar cortinados no valor de 4.890 euros e ainda 64.527,82 euros euros em mobiliário e sofás.
Os administradores que estão acusados deram ainda conta ao Ministério da Educação de diversos funcionários “que, na verdade, não existiam” de forma a que lhes fosse transferido o salários desses funcionários para poderem arrecadar as verbas que não lhes eram devidas. Para os salários de funcionários que “não existiam” foram transferidos mais de 800 mil euros para o grupo.
Foram ainda desviados 426.987,99 euros em numerário de receitas do bar e papelaria dos colégios e outros 34 mil euros em empréstimos.
Em 2014, foram realizadas buscas a casa de José Canavarro e dos administradores do grupo. Durante essa operação foram apreendidos 60 carros – onde estão incluídos um Porsche, um BMWX3 ou um Audi A6 – que foram atribuídos a Manuel Madama. E na casa de seu filho, António Madama, foram apreendidos outros sete carros.
O processo de investigação do MP que durou mais de dois anos, foi desencadeado depois de em 2014 o Ministério da Educação – na altura aos comandos de Nuno Crato – ter enviado para o MP os resultados de auditorias realizadas pela Inspeção Geral da Educação a seis colégios do grupo, durante o verão de 2012. Nessa altura, Nuno Crato obrigou estes colégios – São Mamede, Vasco da Gama, Santo André, Miramar, Rainha Dona Leonor e D. João V – a devolver cerca de 47 mil euros aos encarregados de educação. Os colégios tinham recebido cerca de 27 milhões de euros do Estado entre 2012 e 2014 para assegurar a escolaridadade obrigatória gratuita – através dos contratos de associação – e ainda assim cobraram, de forma irregular, uma taxa de matrícula com o valor de 10 euros.
Além dos colégios, o grupo GPS tem mais de 50 empresas em áreas diversas como publicidade, imobiliária, mediação de seguros, hotelaria, agência de viagens e um supermercado, por onde faria circular o dinheiro que recebia do Ministério da Educação.