Os holofotes mediáticos têm-se ocupado na discussão do relatório sobre os incêndios de outubro. Seis meses passados, fala-se daqueles dias de terror que deixaram uma parte do país com uma paisagem de guerra como se fosse a mais urgente discussão. Ignora-se que pessoas e territórios permanecem dentro de um cenário de guerra e com escassa informação sobre o futuro.
Os dados oficiais apontam para 1700 casas de habitação permanente e 6500 de segunda habitação com necessidades de intervenção superiores a 25 mil euros. O número de casas de primeira habitação destruídas é dez vezes superior à dos incêndios de Pedrógão, cujos fundos de apoio constituídos chegaram aos 12 milhões, mas alguém achou que o problema se resolvia com 30 milhões (17 mil euros/casa). Pondera-se aumentar o valor? Não. Dificulta-se a elegibilidade. Obviamente, sabe–se que há uma parte das pessoas que, sem rede técnica ou familiar, não está em condições de garantir toda a papelada. A parte mais fraca. Serão varridos das estatísticas.
Mas mesmo os que conseguem manter-se nas listas e cumprem todos os prazos tremem a cada decisão que lhes é comunicada – os discursos sobre participação cidadã ficam para outras núpcias. É dessa forma que vão sabendo de um megaconcurso de obra internacional, ainda sem conhecerem o projeto que lhes cairá em sorte. Será que poderão afastar-se desta festa de grandes empreiteiros pedindo o apoio direto e tratando das coisas por si? A lei diz que sim, mas a sua operacionalização impediu-o. Entre 7/12 e 31/1 teriam de ter contratado equipas de projetistas, realizado todos os projetos, licenciando-os junto dos municípios, elaborado os projetos de execução e efetuado três consultas a empreiteiros. Desde 31/1, quantos projetistas se terão apresentado para falar com as pessoas afetadas? Arrisco: nenhum.
E as segundas habitações? Não será difícil de prever que as primeiras habitações começarão a ser reerguidas no meio de ruínas do que não foi financiado. Estamos a falar de muita gente que investiu todas as suas poupanças na “casa da terra” e que tinha um impacto económico nos territórios – pelas visitas regulares ou compras diretas aos produtores locais.
Por esta e outras razões, está em curso uma segunda calamidade naqueles territórios – calamidade produto da ação do Estado. Daqui a uns anos criar-se-ão comissões e relatórios para registar o que desde o início é óbvio à vista de quem quiser olhar.
Escreve à segunda-feira