Com a exceção de três ingénuos, o resto dos socialistas perceberam que existe um problema no sistema político que permitiu a criação de uma personagem que se julgou, até há uns anos, inimputável.
Não foi preciso chegarmos a Sócrates, esse fenómeno radical, para perceber que raramente alguém que tenha passado pela atividade política acaba a levar a vida frugal da esmagadora maioria dos portugueses.
Eles existem, os da vida frugal, mas a grande maioria dos ex-ministros, por exemplo, estão destinados ao sucesso profissional. As leis não resolvem tudo.
A obrigação da entrega de declaração de rendimentos por parte de José Sócrates não resolveu nada: o ex-primeiro- -ministro declarava não ter quaisquer rendimentos e muitos socialistas acharam isso normal, apesar da idade já provecta e da carreira da personagem.
O PS percebeu, no dia em que Sócrates foi preso, que as coisas tinham de mudar. Pouco tempo depois, Carlos César, já presidente do partido, fazia um discurso nesse sentido.
As coisas andaram muito devagar, excessivamente devagar. Mas ontem, nas jornadas parlamentares, o deputado Paulo Trigo Pereira, em resposta à deputada Isabel Moreira, tocou no ponto-chave desta questão que está a dividir os socialistas: “Temos responsabilidades acrescidas porque somos pagos pelo dinheiro dos contribuintes e porque tomamos decisões que afetam a vida de todos os contribuintes.”
Isto é tão cristalino que custa entender as dúvidas dentro da bancada do PS contra o projeto que a direção apresentou. Pessoalmente, defendo que, tal como acontece com os secretários de Estado, os deputados deviam ter absoluta exclusividade. A ideia de que isso faz “perder os melhores” é um mito urbano-depressivo.