A RTP foi privatizada


Sem tutela, sem estratégia e sem rumo, divorciada do público, que paga a Contribuição para o Audiovisual (90% do orçamento), a RTP caminha alegremente para o abismo


O conselho de administração da RTP concluiu o seu mandato que, tudo indica, será renovado.

Como determina a lei, é ao Conselho Geral Independente – CGI quem compete escolher os membros do Conselho de Administração, de acordo com um projeto estratégico proposto por estes.

Até à data, não houve qualquer esclarecimento sobre a possibilidade de se candidatarem cidadãos que apresentem os seus projetos.

O CGI tem como obrigação produzir relatórios semestrais de avaliação do cumprimento do projeto estratégico aprovado, “devendo estes relatórios ser obrigatoriamente objeto de ampla divulgação pública”.

Na página oficial da RTP constam apenas os relatórios intercalares referentes ao 1º semestre de 2015 e primeiro semestre de 2016, assim como o relatório do ano de 2015. Onde param os outros? Que “ampla divulgação” lhes foi dada?

O primeiro canal da RTP – o navio almirante da frota pública – perdeu, nos últimos três anos, 3 pontos de share e 50 mil espectadores, invertendo assim um ciclo de crescimento.

Ao mesmo tempo, a empresa engordou significativamente a sua estrutura diretiva e aumentou o número de trabalhadores, não contando ainda com as várias centenas, com pretexto de prestação de serviços, que integrarão o quadro da RTP, por determinação da Inspeção Geral do Trabalho.

A caótica gestão dos últimos três anos resultou numa preocupante situação financeira que já não é possível camuflar. A RTP recuou vinte anos.

Sem tutela, sem estratégia e sem rumo, divorciada do público, que paga a Contribuição para o Audiovisual (90% do orçamento), a RTP caminha alegremente para o abismo, perante o silêncio cúmplice de muitos dos que, no passado recente, não se cansaram de erguer a sua voz, reclamando por tudo e por nada, exigindo, e conseguindo muitas vezes, comissões parlamentares de inquérito “por dá cá aquela palha”.

Na prática, a RTP foi “privatizada”, uma vez que, ao que parece, os atuais gestores não prestam contas a ninguém.

No conselho de administração mantém-se o proprietário de uma produtora e de um canal de televisão. Programas criados por essa produtora, agora produzidos por outras, são aprovados na RTP.

Um ex-consultor da RTP deixa o cargo para passar a ser produtor/autor de uma série para a mesma RTP. Conseguiu uma média de 160 mil espectadores, à razão de 59 mil euros por episódio.

A produção de séries de má qualidade, em quantidades industriais, ao contrário de criar uma indústria de ficção, já contribuiu para a falência de algumas produtoras.

Por tudo isto, e por muito mais que haveria para dizer, acredito que o conselho de administração da RTP vai ser reconduzido. Não se esqueçam que a RTP ganhou o Eurofestival!

E, como é óbvio, “o espetáculo tem de continuar”.

Jornalista