Descongelamento. Deputados do PS preocupados com revolta de professores

Descongelamento. Deputados do PS preocupados com revolta de professores


O trauma de 2009, quando o PS perdeu os professores, paira sobre os socialistas. Há deputados preocupados com a rigidez orçamental


Alguns deputados socialistas da Comissão de Educação manifestaram, na terça-feira, a sua grande preocupação com o facto de o descongelamento das carreiras dos professores não ser retroativo. Em causa estão nove anos e meio de trabalho dos docentes – entre 31 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 e desde 1 de janeiro de 2011 até 31 de dezembro de 2017 – que a partir de janeiro de 2018 não vão ser tidos em conta para efeitos de progressão, impedindo que mais de metade dos 110 mil professores cheguem ao topo da carreira antes de passarem à aposentação.

A regra inscrita na proposta de lei do Orçamento do Estado está a provocar a forte contestação de todos os sindicatos do setor, que se uniram para formar uma plataforma sindical e agendaram greve nacional para dia 15 de novembro. Para o mesmo dia está ainda marcada uma manifestação de dez sindicatos à frente do parlamento, enquanto o ministro Tiago Brandão Rodrigues estará dentro do edifício a discutir o seu orçamento para 2018.

A situação é, por isso, considerada muito complicada do ponto de vista político por vários parlamentares. Um fantasma assombra o PS: a perda da maioria absoluta em 2009, para a qual contribuiu em muito a classe profissional dos professores, que travou uma luta de peso contra as medidas da antiga ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues.

A questão, agora, é diferente. O governo está disponível para descongelar as carreiras dos professores, mas só a partir deste ano. E os efeitos desta medida para o partido foram discutidos em duas reuniões, uma apenas entre deputados socialistas e, posteriormente, num encontro entre alguns deputados da Educação com o ministro Tiago Brandão Rodrigues.

Não há dinheiro – foi a resposta que os deputados apreensivos obtiveram do coordenador do PS na Comissão de Educação, Porfírio Silva. Também outro deputado socialista, André Pinotes Batista, eleito por Setúbal, concordou que o descongelamento com efeitos retroativos seria incomportável para as finanças públicas. Mas o mal–estar é grande e foi verbalizado com alguma veemência ao ministro da Educação por uma deputada socialista da Comissão de Educação, Maria Augusta Santos, que também é professora. Segundo relatos feitos ao i, a deputada eleita por Braga disse ao ministro que se a medida avançasse como está, o PS iria perder os professores.

No entretanto, os grupos parlamentares estão a reunir com os sindicatos, estando agendado para hoje um encontro entre o PS e a Fenprof. Na próxima segunda-feira será a vez de a FNE ser recebida pelos socialistas. As regras do descongelamento são um dos assuntos em cima da mesa durante as reuniões. Os sindicatos aceitam que o acerto na progressão das carreiras seja feito de forma faseada ao longo de anos.

Contactado pelo i, o Bloco de Esquerda, que recebeu ontem os professores, disse que irá avaliar a possibilidade de, em sede de Orçamento, avançar com uma proposta de alteração à medida. A mesma posição tem o PCP.

 

Educação tenta pressionar Finanças

Enquanto são recebidos pelos partidos, os professores tentaram já várias vezes reunir com o ministro da Educação. No entanto, Tiago Brandão Rodrigues recusa receber os docentes para discutir e negociar a medida, chutando esta competência para as Finanças, que tutelam a função pública.

Por sua vez, as Finanças atiram a responsabilidade das negociações para a Educação. Ou seja, desde que o OE/2018 foi entregue no parlamento que o governo tem mantido os docentes num pingue-pongue, sem que ninguém os receba.

A lei prevê que no caso de funcionários públicos com diplomas que estabelecem regras específicas para a progressão nas carreiras – é o caso dos professores, que têm um estatuto da carreira docente –, as negociações desta matéria cabem à respetiva tutela.

No entretanto, o i sabe que Tiago Brandão Rodrigues está em conversações com Mário Centeno para tentar fazer com que sejam contabilizados alguns dos nove anos e meio para efeitos de progressão. Porém, será difícil que Brandão Rodrigues – que diz que lutará “radicalmente pelos direitos dos professores” – consiga ter sucesso. É que o governo não tem margem financeira para fazer o acerto salarial a todos os docentes, contabilizando os nove anos e meio. De acordo com algumas estimativas, o acerto traduz uma despesa de 600 milhões de euros.

Além disso, António Costa já foi perentório na sua posição: “Descongelar não significa reconstruir a carreira que as pessoas teriam tido se não tivesse havido congelamento.” Ou seja, “quem já tem todos os critérios [necessários] progride imediatamente, quem não tem retoma o contador”, disse o primeiro-ministro durante uma sessão de esclarecimento do OE/2018 na federação distrital do PS/Porto.

O primeiro-ministro também já disse que, de acordo com estas regras, há 46 mil docentes que vão progredir durante 2018. No entanto, questionados pelo i, nem a Educação nem o gabinete do primeiro-ministro explicaram quem são os professores incluídos nesta estimativa.

A norma inscrita na proposta do OE/2018 prevê regras diferentes para descongelamento nos vários setores da função pública. Alguns trabalhadores do Estado vão progredir na sua carreira e receber o acerto salarial. É o caso de todos os trabalhadores que progridem por pontos, que são os assistentes e técnicos operacionais. Noutros setores, as regras são negociadas com cada tutela.

Desta forma, os professores serão penalizados face a outros trabalhadores do Estado: a contagem do tempo de serviço dos docentes será retomada só a partir da data em que a sua carreira foi congelada – em 2005 ou em 2011 – com o salário correspondente a essa data.

Texto escrito por Ana Petronilho e Ana Sá Lopes