Parece que o diabo anda mesmo à solta


É que o Orçamento está cheio de embustes e de surpresas, nomeadamente o assalto aos desprotegidos dos recibos verdes.


1) O Orçamento do Estado que se vai conhecendo é, afinal, “troikiano” e contém uma subida de impostos difícil de perceber à primeira vista. Mas, na verdade, estamos perante um quadro de austeridade indireta digno do gerado por Vítor Gaspar, o executante obediente e bem recompensado da bancarrota herdada de Sócrates e Teixeira dos Santos (curiosamente, agora presidente de um banco).

Entre as medidas mais miseráveis de assalto aos cidadãos consta o ataque a quem trabalha a recibos verdes, vítima de uma cilada dado que, em vez de poder deduzir uma percentagem fixa à cabeça, passa a ter de estar sujeito à discricionariedade do fisco.

Ora é o tipo de matéria que já se sabe no que vai dar. A maioria dos papéis não terá cabimento objetivo, dado que se trata de postos de trabalho fixos, ou serão rejeitados pelos zelosos funcionários das Finanças. As receitas vão aumentar e os desgraçados dos passadores de recibos vão ser ainda mais explorados do que atualmente. Uma medida destas é de tal forma desumana que só uma situação absolutamente desesperada do ponto de vista das receitas pode justificá-la. Aparentemente, é mesmo o diabo que anda à solta. A desonestidade política desta medida é acompanhada de um cinismo absoluto quando o governo diz que não pretende mais receitas com ela. Como não é possível atacar certos grupos sociais que tenham organizações que os respaldem, atacam-se os mais frágeis. Costa e Centeno atuam como as chitas a caçar. Correm atrás da manada e atacam o gnu mais pequeno ou os doentes. É assim a vida da selva, embora se espere que um governo não seja um predador, mas um guardador do rebanho. Um escândalo que haverá certamente de custar milhares e milhares de votos a Costa, se for por diante sem a oposição do Bloco e do PC, pelo menos. Se não forem eles, a coisa passa no parlamento e em Belém, pois já se viu que o Presidente quer despachar o Orçamento na esgalha.

2) As cenas de pancada à porta de discotecas não são de hoje. Existem desde sempre e em Lisboa foram uma moda nos anos 80-90, à porta de sítios como o Alcântara, o Plateau, a Kapital ou o Kremlin, perante a mesma indiferença da polícia e da justiça. A diferença em relação ao que aconteceu agora no Urban foram as imagens, graças às quais o novo ministro da Administração Interna atuou, e bem.

Mas isso não atenua mais esta falha do Estado central e da Câmara de Lisboa. Na capital há dezenas de polícias municipais de mãos nos bolsos a tomarem conta de obras na via pública, há outras dezenas de agentes a multarem cidadãos no trânsito, há mais uns quantos a despachar papéis, mas não se acha necessário haver pelo menos dois por estabelecimento noturno daquele género a fiscalizar o comportamento de porteiros que pertencem a verdadeiros grupos organizados que se dedicam a todo o tipo de negócios e que passam o dia em ginásios a tomar suplementos? A PSP sabe melhor do que ninguém o que se passa. E a Câmara de Lisboa também, até porque essa entidade também recorre à contratação de um certo tipo de armários. Basta ver os bíceps de quem anda com os bloqueadores da EMEL. Por falar em agressões, foi curioso verificar que enquanto toda a comunicação não deixou de apontar a hipótese de também haver uma agravante racista no caso de Lisboa, verificou-se um silêncio praticamente generalizado quanto à etnia dos autores do espancamento ocorrido em Coimbra.

3) Há gente que ficou incomodada com a decisão da ERC de não ter vetado a compra da TVI pela Altice. Percebe-se, porque estão em causa interesses económicos e, eventualmente, até aspetos relacionados com a democraticidade da nossa sociedade em termos de informação jornalística. Dito isto, é inaceitável o ataque pessoal que se tem feito ao presidente da instituição por ter sido a sua posição que não parou a operação. Carlos Magno começa por não ter culpa de a ERC não ter ainda sido mudada, pois o bloqueio está no parlamento. Além disso, também não tinha de seguir cegamente pareceres dos serviços que eram contrários à sua opinião. A sua função é independente e não se limita a apor a assinatura no expediente dos serviços. Pode ter feito bem ou mal. Logo se verá. Mas tem de se aceitar a priori que agiu como a sua consciência lhe mandou.

4) Há dias foi publicada a escuta de uma conversa entre Sócrates e o seu contabilista. O que se ouve é inconcebível. A criatura não distinguia IVA de IRS e não sabia que nos seus recibos verdes tinha de devolver o primeiro imposto ao Estado e que lhe devia ser deduzido à cabeça o segundo. Como é possível que alguém assim tenha chegado a primeiro-ministro com maioria absoluta? E como é possível que quem trabalhou com ele no governo não tenha denunciado tanta ignorância?
A sociedade portuguesa tem de aperfeiçoar muito os crivos de controlo e os critérios de exigência em todos os setores.

 

Jornalista


Parece que o diabo anda mesmo à solta


É que o Orçamento está cheio de embustes e de surpresas, nomeadamente o assalto aos desprotegidos dos recibos verdes.


1) O Orçamento do Estado que se vai conhecendo é, afinal, “troikiano” e contém uma subida de impostos difícil de perceber à primeira vista. Mas, na verdade, estamos perante um quadro de austeridade indireta digno do gerado por Vítor Gaspar, o executante obediente e bem recompensado da bancarrota herdada de Sócrates e Teixeira dos Santos (curiosamente, agora presidente de um banco).

Entre as medidas mais miseráveis de assalto aos cidadãos consta o ataque a quem trabalha a recibos verdes, vítima de uma cilada dado que, em vez de poder deduzir uma percentagem fixa à cabeça, passa a ter de estar sujeito à discricionariedade do fisco.

Ora é o tipo de matéria que já se sabe no que vai dar. A maioria dos papéis não terá cabimento objetivo, dado que se trata de postos de trabalho fixos, ou serão rejeitados pelos zelosos funcionários das Finanças. As receitas vão aumentar e os desgraçados dos passadores de recibos vão ser ainda mais explorados do que atualmente. Uma medida destas é de tal forma desumana que só uma situação absolutamente desesperada do ponto de vista das receitas pode justificá-la. Aparentemente, é mesmo o diabo que anda à solta. A desonestidade política desta medida é acompanhada de um cinismo absoluto quando o governo diz que não pretende mais receitas com ela. Como não é possível atacar certos grupos sociais que tenham organizações que os respaldem, atacam-se os mais frágeis. Costa e Centeno atuam como as chitas a caçar. Correm atrás da manada e atacam o gnu mais pequeno ou os doentes. É assim a vida da selva, embora se espere que um governo não seja um predador, mas um guardador do rebanho. Um escândalo que haverá certamente de custar milhares e milhares de votos a Costa, se for por diante sem a oposição do Bloco e do PC, pelo menos. Se não forem eles, a coisa passa no parlamento e em Belém, pois já se viu que o Presidente quer despachar o Orçamento na esgalha.

2) As cenas de pancada à porta de discotecas não são de hoje. Existem desde sempre e em Lisboa foram uma moda nos anos 80-90, à porta de sítios como o Alcântara, o Plateau, a Kapital ou o Kremlin, perante a mesma indiferença da polícia e da justiça. A diferença em relação ao que aconteceu agora no Urban foram as imagens, graças às quais o novo ministro da Administração Interna atuou, e bem.

Mas isso não atenua mais esta falha do Estado central e da Câmara de Lisboa. Na capital há dezenas de polícias municipais de mãos nos bolsos a tomarem conta de obras na via pública, há outras dezenas de agentes a multarem cidadãos no trânsito, há mais uns quantos a despachar papéis, mas não se acha necessário haver pelo menos dois por estabelecimento noturno daquele género a fiscalizar o comportamento de porteiros que pertencem a verdadeiros grupos organizados que se dedicam a todo o tipo de negócios e que passam o dia em ginásios a tomar suplementos? A PSP sabe melhor do que ninguém o que se passa. E a Câmara de Lisboa também, até porque essa entidade também recorre à contratação de um certo tipo de armários. Basta ver os bíceps de quem anda com os bloqueadores da EMEL. Por falar em agressões, foi curioso verificar que enquanto toda a comunicação não deixou de apontar a hipótese de também haver uma agravante racista no caso de Lisboa, verificou-se um silêncio praticamente generalizado quanto à etnia dos autores do espancamento ocorrido em Coimbra.

3) Há gente que ficou incomodada com a decisão da ERC de não ter vetado a compra da TVI pela Altice. Percebe-se, porque estão em causa interesses económicos e, eventualmente, até aspetos relacionados com a democraticidade da nossa sociedade em termos de informação jornalística. Dito isto, é inaceitável o ataque pessoal que se tem feito ao presidente da instituição por ter sido a sua posição que não parou a operação. Carlos Magno começa por não ter culpa de a ERC não ter ainda sido mudada, pois o bloqueio está no parlamento. Além disso, também não tinha de seguir cegamente pareceres dos serviços que eram contrários à sua opinião. A sua função é independente e não se limita a apor a assinatura no expediente dos serviços. Pode ter feito bem ou mal. Logo se verá. Mas tem de se aceitar a priori que agiu como a sua consciência lhe mandou.

4) Há dias foi publicada a escuta de uma conversa entre Sócrates e o seu contabilista. O que se ouve é inconcebível. A criatura não distinguia IVA de IRS e não sabia que nos seus recibos verdes tinha de devolver o primeiro imposto ao Estado e que lhe devia ser deduzido à cabeça o segundo. Como é possível que alguém assim tenha chegado a primeiro-ministro com maioria absoluta? E como é possível que quem trabalhou com ele no governo não tenha denunciado tanta ignorância?
A sociedade portuguesa tem de aperfeiçoar muito os crivos de controlo e os critérios de exigência em todos os setores.

 

Jornalista