O animal (da rede) social


O animal da rede social de hoje vive as suas frustrações escondido atrás de um desktop ou de um smartphone


Falo com outros colunistas, deste e doutros jornais, e a história repete-se também com eles: escrevamos o que escrevermos, digamos o que dissermos, somos violentamente atacados nas caixas de comentários e nas redes sociais.

No dia em que defendi Medina a propósito da história dos parquímetros arrancados em Carnide houve logo um coro de populares que veio apelidar-me de “comunista”, “esquerdalho” e coisas do género. Já no dia-a-dia é diferente e a maioria dos leitores prefere tratar-me antes por “pafioso”, “direitolas” e coisas que tal. De facto, prefiro a segunda opção.

Aliás, existe um grande número de leitores que apenas criticam com base na sua própria ignorância. Por exemplo, todas as semanas há sempre alguém que vai comentar as minhas crónicas e que ataca a suposta isenção que eu deveria ter por escrever num jornal.

As pessoas que o fazem são ignorantes. Não sabem distinguir uma notícia de uma crónica, não conseguem atingir que um artigo de opinião visa precisamente emitir uma opinião. É gente que me chama de jornalista porque pensa que só jornalistas escrevem em jornais e que não percebe que, mesmo que eu fosse jornalista, teria o mesmo direito a emitir a minha opinião numa crónica.

Mas não pensemos que este é um problema das classes iletradas. No dia em que escrevi a dizer que achava inadmissível que médicos do privado deixassem os seus clientes à espera das consultas por uma hora e às vezes mais tempo, vi também as minhas redes sociais imediatamente invadidas.

Muitos médicos foram só defender o seu ponto de vista. No entanto, muitos outros optaram antes por vir ofender- -me, com pérolas poéticas como “clientes têm as…”, e houve ainda uma jovem médica adepta da censura prévia que questionou qual o “chefe de redação que publica este monte de lixo?”.

Mas gostei especialmente de um médico do Porto que, atacando o meu excesso de peso, questionou: “Porque é que hei de eu com o meu elegante IMC de 20 pagar impostos para pagar as complicações das tuas gordices?”

Aliás, o chamarem-me gordo é uma ofensa recorrente. Uma ofensa justa, diga-se de passagem, mas um bocado idiota: o que é que estar gordo tem a ver com escrever bem ou mal uma crónica? Bem vistas as coisas, o facto de eu passar demasiado tempo sentado à secretária a ler e a escrever até deveria atestar o meu empenho profissional, quer como publicitário, quer como cronista. Já o facto de um médico achar que os impostos não deveriam ser gastos nos cuidados médicos com os gordos apenas demonstra a sua burrice e clara falta de visão para o negócio, visto a sua classe ser a única a lucrar com isso.

O animal social de ontem transformou-se, infelizmente, no animal da rede social de hoje. Vive as suas frustrações escondido atrás de um desktop ou de um smartphone. Descarrega o seu ódio por tudo e por todos nas redes sociais e nas caixas de comentários dos jornais. Suspira por um novo escândalo e consequente onda de indignação. Em vez de viver a sua vida e focar-se nos seus objetivos, prefere antes viver a criticar os outros. Sou só eu que acho isto preocupante?

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