A Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC) denunciou ao Ministério da Administração Interna (MAI)_vários “erros”, “omissões” e “contradições” no relatório da comissão independente que analisou os procedimentos seguidos no combate às chamas em Pedrógão Grande – argumentos que foram enviados ao MAI através de um relatório interno que a tutela recusou tornar público.
Ao contrário do que diz o documento dos peritos convidados pelo parlamento, a ANPC assegura que ninguém do topo do comando nacional foi ouvido ou contactado pelos peritos, garante que a fita de tempo não foi parada, que não faltou à verdade quanto aos meios que tinha no terreno e que foram comunicados à tutela e que, meses antes, foram pedidos reforços de meios ao MAI.
Estes são alguns dos pontos que constam do relatório de 24 páginas da ANPC – a que o i teve acesso – que foi enviado à tutela dia 16 de outubro (dois dias antes da demissão de Constança Urbano de Sousa), a contrapor várias das falhas e erros que lhe tinham sido atribuídos pelos peritos. Junto com o relatório, a ANPC enviou ainda vários documentos – a que o i também teve acesso – que comprovam os argumentos daquela entidade. No total, são 98 páginas que arrasam de forma detalhada, parágrafo a parágrafo, várias das conclusões dos peritos.
Face aos “erros e omissões na análise dos factos registados” no relatório dos peritos, “que geram inclusivamente contradições de referência, confundindo as conclusões a reter”, a ANPC pediu à ex-ministra que tornasse público o documento “na exata proporção que foi dada ao relatório da Comissão Independente”, lê–se no texto da Proteção Civil.
A intenção seria chegar a um “cabal esclarecimento público que se impõe, pelo respeito às vítimas e pelo bom nome da ANPC e, sobretudo, dos seus operacionais”. Como resposta da tutela, a ANPC não recebeu outra coisa senão silêncio, sabe o i, e o relatório interno não chegou a ver a luz do dia.
Tudo isto leva a que alguns dos comandantes da ANPC questionem a isenção e as intenções dos peritos sobre as conclusões do relatório. Ao i, alguns comandantes da ANPC salientam ainda que um dos membros da comissão de peritos é José Manuel Moura, que foi comandante nacional da Proteção Civil até ao final de dezembro de 2016. José Manuel Moura foi substituído no cargo precisamente por Rui Esteves, cujas funções foram questionadas pela comissão de peritos, desde janeiro de 2017.
Até à hora de fecho desta edição, o i tentou contactar várias vezes sem sucesso o ex-secretário de Estado do MAI, Jorge Gomes.
Já o presidente da comissão independente, João Guerreiro, garantiu ao i que o ex-comandante nacional, Rui Esteves, e os seus adjuntos da Proteção Civil foram ouvidos pelos peritos e que esse “é um não assunto” porque “falaram com várias pessoas da comissão”.
Fita de tempo não parou
Um dos pontos que é negado pela ANPC diz respeito à paragem da fita de tempo – a que o i teve acesso na totalidade. O relatório dos peritos diz que o atual comandante operacional nacional, Albino Tavares, deu ordens para que, a partir das 04h56 do dia 18 de junho, não fossem registadas informações na fita do tempo sem autorização prévia. “Todos os alertas deveriam ser comunicados ao posto de comando por telefone, e só após validação do mesmo seriam ou não inseridos na fita do tempo”, lê-se no relatório dos peritos.
Em resposta, a ANPC diz que a “afirmação não é verdade” e que a decisão de Albino Tavares foi transferir para o posto de comando todas as informações inseridas na fita de tempo, deixando de serem registadas a partir de Leiria, onde é o comando distrital, devido às dificuldades de comunicação. Isto porque, caso as decisões fossem introduzidas na fita de tempo a partir de Leiria, “eram suscetíveis de originar erros ou omissões de localização/missão e/ou constituição das forças efetivamente empenhadas no terreno”. Mais: segundo o documento da ANPC, esta terá sido a explicação que Albino Tavares deu aos peritos, não sendo a justificação de “excesso de informação” que se lê no documento dos peritos. “Facto facilmente verificável caso a audição tenha sido gravada”, sublinha o documento da ANPC.
Reforço de meios foi pedido
Outras das críticas dos peritos apontadas à Proteção Civil diz respeito à falta de reforço de meios e do pré-posicionamento de dispositivos de combate às chamas. Os peritos notam que durante duas horas (entre as 16 e as 18 horas) não houve qualquer meio aéreo a combater as chamas. Frisam ainda que a fase Charlie, período de alerta máximo de prevenção na resposta aos incêndios, devia ter sido antecipada numa altura em que faltavam apenas 13 dias para que entrasse em vigor. Ou seja, dizem os peritos, o dispositivo e meios disponíveis “não tinha a dimensão” necessária para o combate ao fogo. Sem a antecipação da fase Charlie não houve “reforço do dispositivo” nem foi possível pré-posicionar os meios disponíveis.
O i sabe que, vários meses antes da altura crítica de incêndios, a ANPC pediu várias vezes à tutela o reforço de meios. A resposta foi sempre negativa. E na altura do incêndio de Pedrógão foi pedido à tutela o reforço de meios, tendo em conta que estavam a ser utilizados todos os dispositivos no combate aos 156 incêndios que deflagraram a 17 de junho.
Sobre a diferença de meios no terreno – a ANPC fala em 167 operacionais, 48 veículos e dois aviões, e os peritos apontam 68 operacionais, 48 veículos e nenhum avião –, a Proteção Civil explica que aqueles foram os meios acionados e que a “mobilização nunca tem imediata repercussão no teatro de operações”. Isto porque, continua o relatório, o reforço de meios tem de ser “projetado desde os seus lugares de origem para o local de destino”. E quanto à falta de aviões, a ANPC diz que foi pedido um helicóptero que não chegou a Pedrógão porque foi combater o incêndio de Góis. Minutos depois foram pedidos outros três aviões e, à hora em que nenhum estava a operar, o documento diz que “não existiam outras aeronaves disponíveis”, diz o documento.