OE. Precários saem prejudicados e esquerda pressiona na especialidade

OE. Precários saem prejudicados e esquerda pressiona na especialidade


Parece “irreal”, diz o académico Luís Aguiar-Conraria. Pode ser “um desastre financeiro para alguns dos contribuintes mais frágeis”, diz Mendes da Silva, fiscalista. As mudanças no regime simplificado dos trabalhadores independentes desagradam e podem ser revistas


As mudanças no IRS para trabalhadores independentes no Orçamento do Estado do próximo ano estão a causar incómodo aos partidos à esquerda do PS. Ao que o i apurou, o Bloco de Esquerda e o PCP podem mesmo pedir alterações ao OE na especialidade devido a dúvidas em torno do regime simplificado dos trabalhadores independentes.

Antes, os trabalhadores a recibos verdes que escolhessem o regime simplificado, que tomava automaticamente 25% das suas despesas como despesas de trabalho, não necessitavam de registá-las no Portal das Finanças. Na proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo governo para 2018, contudo, esse regime especial muda. Os trabalhadores a recibos verdes só poderão deduzir as despesas de trabalho que registarem no Portal das Finanças e não os 25% anteriormente automáticos, que simplificavam a operação à Autoridade Tributária e davam alguma tranquilidade fiscal aos trabalhadores independentes. O resultado é que, perdendo o automatismo dos 25%, acabarão a pagar mais impostos (IRS).

A situação seria particularmente perigosa para os chamados “falsos recibos verdes” ou “trabalhadores precários”, que estão a receber via recibos verdes por trabalharem em empresas que não os colocam nos seus quadros – daí a preocupação do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, programaticamente comprometidos com a luta contra a precariedade, mas politicamente comprometidos com a solução de governo do PS.

O problema dos “falsos recibos verdes”, que antes beneficiavam do desconto automático de 25% em regime simplificado de IRS, é que, mantendo- -se as alterações do OE para 2018, não terão despesas de trabalho a registar no Portal das Finanças por ser a empresa que não os tem nos quadros a registar essas despesas. Um trabalhador independente, por exemplo, paga a renda do seu local de trabalho ou o seu próprio computador: um trabalhador a “falsos recibos verdes” não o pode fazer, saindo assim prejudicado no próximo ano.

A consequência natural será uma redução nos trabalhadores que declaram rendimentos (isto é, um aumento da fraude) e também um aumento das despesas (isto é, um aumento de encargos para a Autoridade Tributária). Outra solução para escapar à mudança em 2018 será os trabalhadores independentes abrirem sociedades empresariais em vez de se assumirem trabalhadores independentes, de modo a beneficiarem do IRC em vez de sofrerem com as alterações no IRS.

Um fiscalista ouvido pelo i nota que “não é indiferente termos um secretário de Estado que perceba ou não do sistema fiscal” e que “Rocha Andrade e Sérgio Vasques tinham uma experiência que hoje faz falta”, visando então o incumbente na pasta, António Mendonça Mendes.

Só pode ser engano Nas redes sociais, da direita à esquerda, saltaram críticas à alteração.

Luís Aguiar-Conraria, professor na Universidade do Minho, escreveu que “as mudanças na forma de cálculo do IRS para trabalhadores independentes são escabrosas”.

“Ou é erro e corrigem ou é um aumento de impostos desumano”, atirou o académico. Francisco Mendes da Silva, fiscalista e ex-deputado, escreveu que a medida “pode ser um desastre financeiro para alguns contribuintes especialmente frágeis e um desastre político para o governo”.

Escutado pelo i, Aguiar-Conraria acrescentou ainda: “Tanto quanto percebo, e admito estar errado, as alterações que afetarão os trabalhadores independentes que recorrem ao regime simplificado implicarão um aumento colossal do IRS pago.”

Segundo o economista, “esse efeito será especialmente gravoso junto dos falsos recibos verdes, que dificilmente terão faturas que possam ser associadas à atividade para abaterem à coleta”. “Esta mudança parece-me tão irreal que admito que esteja a interpretar mal”, concluiu Aguiar-Conraria, em declarações ao i.