O referendo na Catalunha


Como nação que é, a Catalunha tem, naturalmente, o direito à sua autodeterminação, não sendo obrigada a permanecer eternamente noutro Estado


Ninguém duvida de que a Catalunha constitui, pela sua história e pela sua língua e cultura próprias, uma nação dentro do território espanhol. A própria Constituição espanhola reconhece no seu art.o 2.o a existência de nacionalidades em Espanha, para além de simples regiões, garantindo o direito à sua autonomia. Como nação que é, a Catalunha tem, naturalmente, o direito à sua autodeterminação, não sendo obrigada a permanecer eternamente noutro Estado. Na Europa temos como precedentes as antigas repúblicas da União Soviética, como a Estónia, Letónia e Lituânia, que se separaram da URSS, bem como a Croácia e a Eslovénia, que se proclamaram independentes da Jugoslávia. Hoje, todos estes países são membros da União Europeia sem qualquer problema.

A forma correcta de decidir a questão da independência de um povo é através de um referendo, perguntando qual é a vontade desse povo. Fizeram-se pacificamente referendos na Escócia e no Quebeque, tendo em ambos os casos os seus povos decidido continuar no Reino Unido e no Canadá. Não há, por isso, qualquer problema em a Catalunha fazer um referendo; provavelmente, os catalães optariam até por continuar a pertencer a Espanha. Assim se resolveria o conflito existente entre Madrid e Barcelona desde que o Tribunal Constitucional espanhol decidiu, em 2010, a pedido do PP, declarar inconstitucional a revisão do Estatuto Autonómico da Catalunha, que tinha sido referendado pelos catalães em 2006.

Os argumentos que têm sido apresentados publicamente contra esse referendo são completamente absurdos. Diz-se que a Catalunha nunca foi independente na sua história, como se não se passasse o mesmo com a Eslovénia e a Croácia. Invoca-se que todos os espanhóis teriam de votar nesse referendo, o que seria a mesma coisa que dizer que todos os habitantes da URSS teriam de votar sobre a independência da Estónia. Diz-se por fim que a Constituição espanhola não permite a independência da Catalunha, como se a questão fosse meramente jurídica e não essencialmente política. A Constituição portuguesa de 1933 também dizia que as colónias portuguesas faziam parte do território nacional e não foi por isso que Portugal deixou de ter de lhes dar a independência em 1975, depois de uma devastadora guerra colonial. Os problemas políticos têm de ter uma solução política.

A reacção do governo de Rajoy está a ser, por isso, não só politicamente desastrada como mesmo ilegal e desproporcionada, violando o Estatuto da Catalunha e a própria Constituição espanhola. Na verdade, a autonomia catalã está, na prática, a ser suspensa, em desrespeito dos procedimentos legais que o art.o 155.o da Constituição espanhola estabelece, já que não houve notificação prévia ao presidente da Comunidade Autónoma nem aprovação pela maioria absoluta do Senado. Não é seguramente através da força, impedindo a autonomia catalã e a livre expressão da vontade do seu povo, que se vai assegurar a unidade de Espanha. A Jugoslávia tentou fazer o mesmo com a Eslovénia e a Croácia, com os resultados que são conhecidos. É, por isso, mais que altura de a Espanha permitir este referendo, única forma pacífica e aceitável de resolver este conflito na Catalunha.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990