Cavaco Silva constitui um caso único na política portuguesa. Foi sempre profundamente odiado à esquerda, que nunca lhe perdoou a forma como arrasou os seus adversários socialistas, com quatro maiorias absolutas. Mas também a direita sentiu sempre alguma hostilidade em relação a Cavaco, considerando estranho que um homem de origens humildes tivesse vindo desalojar as elites sociais do poder que consideravam que lhes estava destinado. Por isso nos períodos áureos do cavaquismo o jornal O Independente de Paulo Portas arrasava sistematicamente todas as semanas os governos de Cavaco Silva. Mas Cavaco resistia sempre e continuava no poder, por muito que isso desagradasse aos seus inimigos.
Os inimigos de Cavaco Silva só puderam cantar vitória em 1995 quando Cavaco deixou o governo, tendo sido logo a seguir derrotado por Jorge Sampaio nas presidenciais. Nessa altura muito festejaram, considerando que o homem que nem sequer sabia comer bolo-rei estava acabado politicamente. Como expressão desse sentimento o boneco de Cavaco no programa Contra-Informação foi denominado de Acabado Silva, fazendo passar televisivamente a mensagem de que era um político acabado, dissesse o que dissesse.
O problema é que, de cada vez que Cavaco falava, era ouvido, e os políticos tinham que reagir. Enquanto o governo de Guterres, para efémera felicidade geral, distribuía dinheiro a rodos, Cavaco Silva escreveu em Fevereiro de 2000, um artigo que denominou “O monstro”, avisando das dramáticas consequências que estava a ter o aumento da despesa pública. Na altura muita gente ficou escandalizada com o aviso, mas Guterres pouco tempo mais durou. E também, quando Jorge Sampaio aceitou pateticamente dar posse ao governo de Santana Lopes, sem qualquer credibilidade política, Cavaco acabaria com esse governo ao escrever em Novembro de 2004 um artigo, “Os políticos e a lei de Gresham”, em que avisava que a má moeda estava a expulsar a boa moeda da política. O governo de Santana Lopes não duraria um mês após a publicação desse artigo.
Foi por isso com naturalidade que o país encarou o regresso de Cavaco Silva nas presidenciais de 2005. Marcelo Rebelo de Sousa desistiu da candidatura que já então equacionava, tendo o PS recorrido ao próprio Mário Soares contra Cavaco, que este completamente arrasou. Nessa altura o programa Contra-Informação foi obrigado a engolir o nome do seu boneco, transformando o Acabado Silva no Regressado Silva. Cavaco Silva estava de regresso e para durar.
Por isso, quando hoje Cavaco Silva denuncia na Universidade de Verão do PSD a irresponsabilidade deste governo, com uma deriva ideológica sem sentido, e a verborreia fácil de Marcelo, que fala de tudo menos do que interessa, é manifesto que o país o ouvirá. Por isso se viu tanta gente nos últimos tempos, incluindo o próprio Marcelo, a atacar furiosamente Cavaco. Mas quem o atacou nunca lhe chegará aos calcanhares. Em 50 minutos Cavaco ensinou aos alunos da Universidade de Verão três lições essenciais: como se faz oposição, o que deve fazer um governo e o que se espera de um presidente. Aprendam.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção
das regras do acordo ortográfico de 1990