A boa notícia é que passamos a ter uma lei de imigração menos absurda. No dia 31 de julho foram publicadas as novas regras de legalização de imigrantes, aprovadas na Assembleia da República por proposta do Bloco de Esquerda e do PCP.
A má é o prenúncio de mais uma leviana polémica sobre os terríveis males, pestes e pragas que se abaterão sobre nós por tratarmos os imigrantes como gente. O CDS, que nunca falta a esta chamada, veio a correr anunciar o perigo de invasão. Para afastar o enredo de temerosos argumentos que geralmente escondem visões xenófobas ou utilitaristas da imigração, valha-nos a pedagogia.
Como ponto prévio, convém lembrar que ilegais são só os imigrantes pobres, porque aos estrangeiros ricos o país vende a legalização como bónus de uma compra gold. Estas novas regras aplicam-se apenas aos que chegam ao país à procura de trabalho, empurrados pela pobreza ou pelo desemprego, como tantos milhões de portugueses fizeram durante décadas.
Segundo as regras definidas em 2007, a forma regular de obter uma autorização de residência era requerê-la num consulado de Portugal no país de origem, apresentando uma oferta de emprego certificada pelo IEFP ou um contrato de trabalho já assinado.
Os vários absurdos desta regra (quem, senão uma máfia, contrata um trabalhador a milhares de quilómetros de distância?) tornam-na impraticável e levam a que a maioria dos imigrantes faça o que qualquer um de nós faria na sua situação: chegar com visto de turista e começar a trabalhar.
Para esses, o problema é conseguir uma autorização de residência para sair dos esquemas de trabalho ilegal. A lei empurra-os para uma regra “extraordinária” de legalização que deixa nas mãos do diretor do SEF ou da tutela o poder excecional e oficioso de conceder uma autorização de residência. Ou seja, a lei diz ao imigrante que vá ao SEF pedir um favorzinho que acaba por ser decidido ao critério do inspetor ou do diretor para quem for despachado o processo.
Dentro do poder excecional para determinar em que condições os imigrantes são legalizados, o SEF impõe um “prazo oficioso”, não escrito, de seis meses de inscrição na Segurança Social como condição para sequer admitir a manifestação de interesse.
O processo é kafkiano. O SEF impõe descontos sobre trabalho ilegal como requisito de legalização de um imigrante. E se algum, de boa-fé, for bater à porta do SEF antes de ter seis meses de trabalho ilegal, sai de lá com uma recusa automática e uma ordem de expulsão do país – uma ratoeira que, para os patrões, é sinal verde para a exploração e a escravatura.
As novas regras vieram eliminar a discricionariedade do SEF. Ainda não é uma lei perfeita, mas é um passo. O objetivo é que o trabalhador esteja protegido quando entra no mercado de trabalho e não tenha de se sujeitar a um intermediário ilegal. Facilita-se a autorização de residência com base na promessa de contrato de trabalho ou numa relação laboral comprovada por sindicato, por associações com assento no Conselho para as Migrações ou pela ACT.
Só pode estar contra as novas regras quem não quer combater as redes de trabalho ilegal que exploram imigrantes. Há quem diga que a lei foi aprovada em contraciclo com o resto da Europa. Sabendo como andam os níveis de racismo e de xenofobia por esse continente afora, o argumento só serve a contrario.
O mais preocupante é a atitude do SEF, que decidiu suspender o acesso ao serviço online onde os imigrantes registam o seu pedido de autorização de residência, apesar do comunicado do Ministério da Administração Interna. É preciso garantir condições para que a lei seja respeitada. Cabe à ministra assegurar que o papel do SEF é cumprir, não é gostar das leis aprovadas no parlamento.
Deputada do Bloco de Esquerda