Em mais de uma década de Almograve, Odemira, ali na Costa Vicentina, entre Milfontes e a Zambujeira, nunca a densidade populacional do verão de agosto foi tão baixa, apesar da anunciada confiança dos consumidores, das euforias enfunadas por alguns dos indicadores e da proximidade de um festival de música. Mesmo a praia de Almograve, nas suas três expressões, apresenta-se com aparentes sintonias com a realidade, em especial a que está mais próxima do porto de mar da Lapa das Pombas: está mais assoreada, sugere maior confiança nos banhos de água, em regra abaixo da temperatura ideal, mas esconde aqui e ali, dissimulada, a presença de rochas que não permitem ilusões nem facilitismos.
É assim o verão em Almograve, genuíno, tranquilo e previsível. Ninguém decreta o fim do que quer que seja nem há excesso de ilusões. Já bastava o mesmo dos anos anteriores para que o café do sr. Eduardo não estivesse encerrado por falta de pessoal, o sr. Manuel pudesse vender mais peixe num local mais central, a oferta de alojamento pudesse acomodar quem trabalha nas estufas e quem procura veranear neste Alentejo no ritmo certo e, pelo menos, pela manhã, ao almoço e à noite, o centro fervilhasse um pouco mais para acautelar o marasmo do resto do ano.
Aqui como em muitas outras realidades, há qualquer coisa que não bate certo.
Não bate certo quando um dos pilares parlamentares do governo do PS insiste em apoiar um regime venezuelano tão podre como outros que o PCP combateu no passado, inclusive em Portugal, ou persiste no apoio a uma Coreia do Norte numa escalada de provocações em ordem inversa às privações impostas ao seu povo. Indiferente às manigâncias de perpetuação no poder e à dramática situação da comunidade portuguesa residente na Venezuela, o PCP exige respeito do governo português pelas pseudoeleições. É uma forma alternativa de comemorar o centenário da Revolução de Outubro. Uma esplendorosa afirmação do compromisso com a ideologia em que as pessoas pouco importam, mas não é única. Fiel à sua visão autárquica de sublinhar problemas, impuseram o preconceito ideológico às soluções. O PCP pela-se por um problema, ainda mais se a responsabilidade for sobretudo do poder central. Pois bem, nas escolas secundárias encontrou-se uma solução em que o governo disponibilizava fundos comunitários e as autarquias comparticipavam com cerca de 70 mil euros num milhão. Nas comunidades intermunicipais com maioria CDU, o preconceito ideológico sobrepôs–se à solução. Não há escolas com obras de requalificação porque a CDU não quis. Lá se vai a conversa da valorização da escola pública e subsiste o problema para gáudio da agitação local. À semelhança da Venezuela, o que menos importa são as estruturas de poder, sindicais ou outras; o foco deve ser sempre as pessoas.
Não bate certo quando a realidade da escola pública ou do Serviço Nacional de Saúde desmente os discursos políticos ou os anúncios de iniciativas. Com a falta de investimento e o excesso de cortes na despesa, é cada vez mais evidente que persistem bloqueios relevantes para quem importa: os estudantes e os doentes. É certo que na saúde se conjuga essa circunstância com a preparação da deposição do atual titular ministerial da pasta, após as autárquicas, se a solução tardia da candidatura ao Porto não aceder ao mais alto posto do topo da Avenida dos Aliados.
Não bate certo quando a dívida pública portuguesa voltou a crescer em junho, aumentando 1800 milhões de euros para 249,1 mil milhões de euros, enquanto o PCP continua a recomendar a renacionalização da REN, do Novo Banco e, agora, dos CTT. Para os cidadãos já bastava que entre o poder político e os reguladores alguém pusesse ordem no cumprimento das obrigações do serviço público nessas áreas, como nos aeroportos vitais para a galinha dos ovos de ouro do turismo. De pouco valerão políticos a darem boas-vindas a voos diretos da China ou do Japão se, após a festa, os cidadãos continuarem a ser confrontados com alongadas esperas para superar o controlo da fronteira do aeroporto, manifestamente por falta de pessoal do SEF alocado a esse serviço.
Não bate certo que se persista em supostas visões progressistas sobre temas colaterais quando não se trata do essencial para a dignidade humana, da saúde à exclusão social, da realização pessoal à habitação. A deriva de decisões políticas na órbita do simbólico e do pretensamente evoluído esbarra na indiferença perante as realidades básicas que persistem sem resposta ou solução. De que vale a idolatria dos seres vivos animais se boa parte dos seres humanos em Portugal continuam a ter falhas graves no acesso ao essencial para os padrões básicos civilizacionais.
Em Portugal, a carga fiscal é uma brutalidade. Na fatura da energia até pagamos uma contribuição para o audiovisual com o valor fixo mensal de 2,85 euros + IVA (6%) destinada à Rádio e Televisão de Portugal, SA, por conta do alegado serviço público de televisão destinado a todos nós. É uma taxa que já serviu para pagar os programas que o produtor Daniel Deusdado vendia à televisão pública, serve agora para pagar as decisões do agora diretor de programas. Nasci em Vila Franca de Xira, gosto de toiros e de touradas. O produtor-diretor Deusdado anunciou que a RTP não vai transmitir touradas. Pelo andar das audiências das opções de programação do senhor ex-produtor e pela modelação do serviço público prestado, o que aconteceria se quem não se revê na prestação começasse a movimentar-se para acabar com a contribuição para o audiovisual by Deusdado. Acabava-se a festa com mão por baixo. Por sinal, a nossa, dos contribuintes. Era uma valente cornada. Bem dada.
Nota final
Ponto e vírgula Pela primeira vez desde 1990, não terei nenhuma responsabilidade política, partidária ou autárquica. É um ponto e vírgula que a Margarida, o Rodrigo e a Catarina agradecem. No atual estado da arte, está-se muito bem no setor privado e a família agradece. Por opção, não sendo candidato a nenhum órgão autárquico, terminarei esta fase da vida com a última reunião da Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira, em setembro.
Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira