O consumo de energia tem vindo a crescer a um ritmo avassalador, ano após ano, à medida que cada vez mais pessoas têm acesso a esse bem tão necessário, mas ainda tão escasso em muitas partes do mundo. O custo tem sido elevado, com os combustíveis fósseis a contribuírem fortemente para as emissões de CO2 ao longo dos tempos, e a serem acusados de contribuírem para as grandes alterações climáticas que se fazem sentir e que poderão constitutir uma pesada herança para as próximas gerações. Embora pareça impossível, podemos reverter esse processo. E é aqui que a engenharia tem um papel muito importante, porque a sua missão é exatamente a de resolver os problemas impossíveis.
A engenharia sustentou a revolução das renováveis que no final do século passado abriram uma grande porta para energia mais limpa e mais segura. De facto, a implementação da energia renovável, a partir do sol e do vento, é uma realidade para se atingirem as grandes metas impostas pela união europeia, no sentido de evoluirmos para uma sociedade mais próxima do carbono zero. Neste campo, Portugal é líder na Europa, conseguindo nalguns períodos assegurar mais de 100 horas consecutivas de fornecimento de energia apenas a partir de fontes renováveis. Claro que se pode ir ainda mais longe, e aumentar a taxa de produção de energia obtida de fontes renováveis, por exemplo com grandes turbinas eólicas off shore, ou aproveitando a energia das ondas, vencendo grandiosos desafios de engenharia. No entanto o preço de tais infra estruturas é muito elevado devido aos elevados custos de investimento e de manutenção associados a problemas de corrosão e consequente perda de eficiência, pelo que há que garantir que essa energia é aproveitada ao máximo, sem perdas. Por outro lado pode-se aumentar a produção fotovoltaica através de grandes plataformas solares que produzem durante o dia, mas não durante a noite, obrigando a uma gestão eficiente da energia que é produzida.
Sendo a produção de energia renovável muitas vezes intermitente, ou seja os picos de produção não coincidem com os de procura, é aqui que surge um outro grande problema: como armazenar o excesso de energia que é produzido em algumas horas do dia e com isso compensar as faltas noutras horas?
É preciso conseguir armazenar a energia, pelo que o armazenamento de energia se posiciona como um dos grandes desafios do século XXI e é para aí que estão apontados muitos planos estratégicos para a energia. Mas o armazenamento possui um preço elevado. As baterias de elevada densidade de energia são dispendiosas, pois o lítio é caro e o cobalto um metal escasso e de preço muito elevado que provoca guerras e escravatura infantil em paises subdesenvolvidos onde se localizam muitas das minas de cobalto. As baterias de chumbo, mais baratas que as de lítio, não são uma solução sustentável pois o chumbo é um metal pesado que não é compatível com as legislações ambientais. Estamos assim perante uma grande encruzilhada. O que fazer?
A solução não é simples, e muitos países, onde a energia renovável está fortemente implementada, não possuem ainda as respostas que permitem a resolução deste grande desafio. O desenvolvimento de novos sistemas de armazenamento de energia, nomeadamente de baterias e supercondensadores assimétricos baseados em materiais mais inteligentes, mais funcionais, mais amigos do ambiente e também mais abundantes e baratos, é sem dúvida um dos caminhos chave para se conseguir uma gestão mais eficiente da energia produzida a partir de fontes renováveis. Mas estes dispositivos apenas existem ao nível do laboratório, pelo que terão de percorrer um longo caminho até à sua implementação final. E é aqui que as universidades e os seus centros de investigação, em colaboração com a indústria, podem desempenhar um papel fundamental. Os investigadores do Técnico, em colaboração com outras escolas parceiras e ainda com o setor privado, têm sido pioneiros a nível nacional e Europeu neste domínio. Ao desenvolverem novos materiais, explorando todo o seu potencial químico e eletroquímico, podem desenvolver-se sistemas de conversão e armazenamento de energia muito avançados, que podem conseguir armazenar até 10 vezes mais energia que uma bateria de chumbo, com muito maior durabilidade. Consegue-se assim, de forma sustentável, contribuir para a resolução de um dos grandes desafios deste século, ao mesmo tempo que Portugal e a Europa se posicionam como líderes mundiais numa nova realidade, suportados por uma engenharia e investigação de excelência.
Fátima Montemor, Professora do Departamento de Eng. Química do IST e Vice-Presidente do Instituto Superior Técnico