O admirável mundo novo da nanotecnologia


Novos equipamentos, novas tecnologias e novas abordagens permitiram caracterizar, manipular e construir caixas de fósforos com capacidade quase infinita de armazenamento de informação.


Em 1959, um cientista, célebre na altura e ainda hoje, chamado Richard Feynman proferiu uma frase misteriosa no final de uma das suas conferências. Essa frase, em tradução livre para português, era qualquer coisa como “lá em baixo, bem no fundo, há montes de espaço livre”. O que queria dizer Feynman com isto numa altura em que a conquista do espaço, do universo era o grande desígnio da humanidade? Feynman queria dizer uma coisa simples: se conseguíssemos olhar e controlar o muito pequeno, havia também lá (e não apenas no espaço exterior) uma imensidão de coisas para descobrir e para fazer.

Para percebermos todos do que estamos a falar, vamos a um exemplo. Imaginemos que queremos armazenar dentro de uma caixa de fósforos, com um volume de, digamos, 40 centímetros cúbicos, os nomes de todas as cidades do mundo, o país em que cada uma fica e o número de habitantes que têm. Para isso escrevemos o nome de cada cidade e as restantes informações a ela relativas num papelinho que enrolamos. Com letra normal, o papelinho, depois de enrolado, terá cerca de um centímetro cúbico de volume. Quer isso dizer que na caixa de fósforos caberá apenas a informação relativa a não mais de 40 cidades. Mas agora vamos imaginar que temos maneira de escrever (e ler) essa informação com uma letra muito mais pequenina e que os papelinhos passam a ter 1 milímetro cúbico de volume. Agora, na caixa de fósforos, completamente cheia, já caberá a informação sobre todas as cerca de 40 mil cidades do mundo (será uma bela prenda para um familiar amante de geografia, conjuntamente com uma lupa). Mas se reduzirmos ainda mais o tamanho da letra por forma a que o volume dos papelinhos seja de um micrómetro (0,001 milímetros) cúbico, então isso quer dizer que a informação total sobre as 40 mil cidades do mundo apenas ocupará 0,0000001% do volume da caixa de fósforos. Ou seja: a caixa estará aparentemente vazia, contudo contém toda a informação sobre as 40 mil cidades do mundo e, claro, disporá ainda de uma capacidade gigantesca para armazenar muito mais informação como, por exemplo, o nome e idade de todos os habitantes destas 40 mil cidades mais toda a Enciclopédia Britânica, e ainda sobrará espaço. Claro que, neste último caso, para lermos a informação, uma lupa já não será suficiente: precisaremos de outro instrumento mais poderoso. Mas se o tivermos poderemos ter toda a enciclopédia e muito mais dentro da caixa de fósforos.

Foi essa a visão que Feynman teve. Em 1959 faltava apenas concretizá-la, mas isso foi feito nos 50 anos seguintes: novos equipamentos, novas tecnologias e novas abordagens permitiram caracterizar, manipular e construir “caixas de fósforos com capacidade quase infinita de armazenamento de informação”. E isso resultou no nosso mundo atual: nos nossos telemóveis e computadores, no Facebook e carros com GPS que tudo sabem, na informação e conversas de e com qualquer parte do mundo, à distância de um clique. A “caixa de fósforos” com toda a Enciclopédia Britânica e muito mais existe hoje: é o nosso telemóvel ou iPod.

Vivemos assim, neste momento, a primeira era nanotecnológica da humanidade. E agora? O que faremos a seguir? Como vamos lidar com toda esta informação que nos chega de maneira tão rápida e simples? Que impacto terá esta rápida revolução nas nossas vidas, famílias, costumes, modo de viver (por exemplo, de aprender e ensinar)? Será bom ou mau, ou apenas diferente? Não sabemos ainda.

Mas também não o discutimos. O tema não faz ainda parte das preocupações da sociedade e, consequentemente, menos ainda do léxico politico. Mas, quase 60 anos depois da frase misteriosa de Feynman, as mudanças que vivemos em consequência do impacto da revolução nanotecnológica justificam o início desse debate.

Professor do Departamento de Engenharia Mecânica do IST