O óbvio ululante sobre terrorismo


“Precisamos de uma forma mais inteligente de reduzir os riscos que representam os países que estão na origem do terrorismo. Como a Arábia Saudita ou o Paquistão, por exemplo”


A propósito do atentado em Manchester e dos outros atentados terroristas perpetrados recentemente em Inglaterra pelo Daesh ou Estado Islâmico, o líder do Labour Party, Jeremy Corbyn, afirmou publicamente o óbvio ululante – ou seja, o “elementar, meu caro Watson!” -, provocando um alarido hipócrita de indignação por parte de políticos e comentadores de direita, que já terão pensado outrora exactamente o mesmo que o actual líder trabalhista, mas não querem admiti-lo nem ser recordados disso.

Disse Jeremy Corbyn: “Muitos especialistas, incluindo profissionais dos serviços de informações e de segurança, sublinharam as relações entre as guerras que o nosso governo apoiou e nas quais se envolveu, noutros países, e o terrorismo que enfrentamos no nosso país.” E frisou que, embora a culpa pelos actos de terrorismo só possa ser atribuída aos seus autores, os governos devem reflectir sobre a eficácia das suas políticas: “Devemos ter a coragem de admitir que a ‘guerra contra o terrorismo’ não está a funcionar. Precisamos de uma forma mais inteligente de reduzir os riscos que representam os países que estão na origem do terrorismo.” Como a Arábia Saudita ou o Paquistão, por exemplo.

Contra o líder do Labour Party veio a terreiro, num alarde de indignação e protesto, o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, um dos maiores oportunistas e troca-tintas da política britânica, afirmando que as declarações de Jeremy Corbyn “são absolutamente monstruosas”. Esqueceu-se, todavia, do que ele próprio escreveu em 2005, na revista “Spectator”, a propósito da participação do Reino Unido, então governado pelo New Labour de Tony Blair, na invasão do Iraque, ao lado dos EUA.

Escreveu, nessa altura, Boris Johnson: “A guerra do Iraque não criou o problema dos fundamentalistas islâmicos assassinos, embora esta guerra tenha sem dúvida refinado os ressentimentos deste tipo de pessoas que vivem no nosso país e lhes tenha fornecido novos pretextos. A guerra do Iraque não inoculou o veneno na nossa corrente sanguínea, mas é óbvio que esta guerra ajudou a potenciar esse veneno.” É bem verdade e, afinal de contas, foi essencialmente isso que sugeriu Jeremy Corbyn.

Não se trata de minimizar a atrocidade dos crimes cometidos pelo Daesh, grupo terrorista que se caracteriza pela sua barbárie e violência extrema. Mas é evidente que o também chamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) nasceu com a guerra. Como salientou o grande jornalista inglês Patrick Cockburn (ex--“Finantial Times” e ex-correspondente no Médio Oriente do jornal “The Independent”) no seu livro sobre “O Novo Estado Islâmico”: “A mistura tóxica mas potente de extremismo religioso e perícia militar do Daesh é o resultado da guerra no Iraque, desde a invasão americana em 2003, e da guerra da Síria desde 2011.” Mais: “Foram os EUA e os seus aliados regionais – Turquia, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Emirados Árabes Unidos – a criar as condições para a ascensão do Daesh. Desencadearam uma revolta sunita na Síria que alastrou ao Iraque. E alimentaram a guerra na Síria mesmo sendo óbvio, desde 2012, que Hassad não cairia.”

O fracasso da “guerra contra o terrorismo” declarada por Bush filho – primeiro em 2001, ao invadir o Afeganistão, e depois em 2003, ao invadir o Iraque, sempre acolitado por Tony Blair – tornou-se evidente logo após o 11 de Setembro, quando o presidente dos EUA deixou bem claro que essa guerra seria travada sem qualquer confronto com a Arábia Saudita ou o Paquistão, dois importantíssimos aliados sem o envolvimento dos quais o ataque às Twin Towers e ao Pentágono muito dificilmente teria acontecido. 

De facto, sabe-se que eram sauditas nada menos de 15 dos 19 piratas aéreos que agiram nesse dia fatídico de 11 de setembro de 2001; que a família de Bin Laden pertence à elite saudita; que vários documentos oficiais dos EUA provavam que o financiamento da Al-Qaeda e dos grupos jihadistas provinha da Arábia Saudita e das monarquias do Golfo; e que o exército e os serviços secretos paquistaneses desempenharam um papel fundamental na ascensão dos talibãs ao poder em Cabul, durante a década de 1990, passando, desde então, quer o Afeganistão quer o Paquistão a albergar e a proteger Bin Laden e a Al-Qaeda.

A Arábia Saudita detém um enorme poder e influência graças ao seu petróleo e imensa riqueza, que fazem desta monarquia, assente na intolerância religiosa e no extremo autoritarismo político, um óptimo comprador de armamento produzido nos EUA, no Reino Unido e na França. Foi esse, aliás, o principal motivo da recente visita oficial a Riade do imaturo, malcriado e irresponsável Donald “Big Mouth” Trump. 

Como diz o ditado, em tempo de guerra não se limpam armas. Mas também é verdade que sem guerras não se vendem armas, pelo menos não tantas quanto desejariam os fabricantes e negociantes de canhões. Sem todas estas guerras provocadas pelas potências ocidentais, o negócio das armas – que ainda é melhor que o negócio da saúde, segundo uma especialista portuguesa – iria inevitavelmente ao fundo…

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção 

das regras do acordo ortográfico de 1990