Já não posso ouvir falar em empreendedorismo

Já não posso ouvir falar em empreendedorismo


A institucionalização e o excesso de mediatismo do empreendedorismo diminuem a sua atração junto dos novos talentos que dominam tecnologias complexas


Ler o livro “Startup Communities”, de Brad Feld, é uma experiência que recomendo a todos os que acompanharam o desenvolvimento do ecossistema empreendedor de Lisboa. O livro usa o caso de Boulder, no Colorado, para explicar porque certos locais florescem de inovação enquanto outros definham, e como é que um ecossistema de inovação sustenta e expande o empreendedorismo. Este ecossistema envolve os empreendedores, o governo e o poder local, as universidades, os investidores, os mentores, as grandes empresas e os fornecedores de serviços de apoio às startups.

Em Boulder, tal como em Lisboa, tudo se centrou à volta dos empreendedores. Em 2010, Sofia Pessanha, Pedro Rocha Vieira, Ricardo Marvão, André Marquet, Pedro Santos e Tiago Pinto fundam a Beta-i. O Carlos Silva, também ligado à Beta-i, regressa de Oxford com a ideia de organizar um evento e o “Silicon Valley Comes to Lisbon” (SVC2Lx) decorre em novembro de 2011. A Cristina Fonseca tenta, sem sucesso, ser voluntária nesse evento. Nesse ano, um outro empreendedor junta vontades para concluir as obras na Rua da Prata, no que será a Start-up Lisboa. Depois de inaugurada, em fevereiro de 2012, passa a ser um dos locais onde decorrem as Beta-talks, numa das quais a Cristina Fonseca vem falar da Talkdesk. Seria também oradora convidada na edição de 2012 do SVC2Lx, onde a startup de Jaime Jorge, que viria a chamar-se Codacy, recebe o primeiro investimento do Seedcamp. Nesse ano de 2012, Carlos Silva e Jeff Lyn fundam em Londres a Seedrs, a primeira plataforma de investimento em crowdfunding… Isto é apenas uma pequena parte da história mas, tal como na hipótese de Brad Feld, o ecossistema de Lisboa foi liderado por empreendedores, com compromisso a longo prazo, numa comunidade inclusiva e com atividades continuadas.

A questão, agora, é a de manter o crescimento do ecossistema. A institucionalização e o excesso de mediatismo do empreendedorismo, que inspiraram o título provocador deste artigo, diminuem a sua atração junto dos novos talentos que dominam tecnologias complexas. A deslocalização das startups de sucesso para ecossistemas mais desenvolvidos, a evolução dos fundadores do ecossistema para outros desafios e o crescente papel dominante de entidades governamentais são outros dos desafios do crescimento.

A melhor forma de ajudar um adolescente a superar as dúvidas próprias da idade é reforçar os pilares em que se baseou a sua educação. No caso do ecossistema empreendedor, esses pilares são: o talento, o espaço, a cultura, o capital e o ambiente regulatório.

O talento é o principal recurso do ecossistema. Lisboa foi distinguida no relatório produzido pelo projeto Startup Genome por incluir uma elevada percentagem de fundadores com grau de mestre ou doutor. O domínio de tecnologias complexas aumenta a probabilidade de startups disruptivas e difíceis de copiar. Infelizmente, é difícil investir na excelência das escolas de impacto global existentes na região de Lisboa com recurso a fundos europeus destinados a promover a igualdade regional.

O espaço potencia o encontro de mentes brilhantes. A densidade da cidade multiplica as oportunidades de encontro, mas os custos do mercado imobiliário estão a torná-lo incomportável para o ecossistema.

A cultura da aceitação do insucesso que, ao contrário de um chumbo, é uma base para um futuro sucesso, precisa de fazer parte do processo de aprendizagem em todos os níveis de ensino.

O acesso ao capital é um dos principais desafios dos empreendedores, mas a entrada no mercado de investidores inexperientes não beneficia o ecossistema. O que atrai investidores experientes e com portefólio internacional são oportunidades com validação inicial pelo mercado, após investimentos em fase-semente onde se devem concentrar os fundos públicos.

O último pilar que precisa de ser fortalecido é o do ambiente regulatório, que deve ser estável e previsível para empreendedores e investidores. Esta responsabilidade ultrapassa o Ministério da Economia, alargando-se aos benefícios fiscais, estabilidade das leis laborais, licenças de trabalho para imigrantes, sistema de justiça e, em particular, reforço dos organismos relacionados com a proteção da propriedade intelectual.

Os empreendedores devem manter-se no centro do ecossistema. Os restantes atores devem procurar fugir à tentação de impor a sua liderança, mas reforçando a sua função de suporte.

Vice-presidente para o Empreendedorismo e Ligações Empresariais, Instituto Superior Técnico