De uma forma geral, tendemos a pensar que quanto mais conhecimento uma pessoa tem, mais informada está e, como tal, mais facilmente consegue distinguir aquilo que é correto daquilo que é errado e irá agir de forma ética em sociedade… Mas será mesmo assim? Será que podemos afirmar que as pessoas com mais literacia são tendencialmente as mais éticas?
Antes de mais, é importante refletirmos sobre o acesso a informação/ conhecimento que, felizmente, é cada vez mais generalizado por todo o mundo, mesmo em países com menores índices de desenvolvimento, o que é uma boa notícia considerando que este acesso é considerado um direito humano fundamental. A aplicação prática deste direito pode tomar diversas formas e que se traduzem, por exemplo, no acesso aos diversos graus de ensino, à internet, a livros, a jornais / revistas, ou mesmo à televisão.
De facto, e através de uma simples pesquisa num motor de busca da internet, conseguimos obter indicadores desta tendência crescente. Assim, e apenas pesquisando informação para Portugal, identificamos dados empíricos de diversas fontes, tais como:
• A taxa de analfabetismo nacional ser já inferior a 5%, tendo reduzido para cerca de metade da verificável no início do presente século;
• 70% da população nacional aceder já regularmente à internet, tendo crescido cerca de 10 vezes desde o início do século XXI; ou,
• 22% da população nacional ter já formação superior, dado que duplicou na última década.
Desta forma, e não obstante os indicadores para Portugal serem apresentados como estando muito abaixo da média verificável para a União Europeia ou para a OCDE, eles espelham a evolução verificável no que respeita ao acesso aoconhecimento. Esta evolução tem especial relevância nas gerações mais novas que cresceram em conjunto com a referida tendência.
Ainda assim, e considerando o teor da presente crónica, importa questionarmo-nos qual o impacto desta evolução para os temas da ética… Será que podemos afirmar que as pessoas com mais literacia são tendencialmente as mais éticas?
Como indicador para a resposta à questão colocada, podemos consideraralguns dos interessantes resultados do estudo sobre a fraude que foi realizado e recentemente publicado pela EY (o Fraud Survey 2017considerou entrevistas realizadas em 41 países, incluindo Portugal), tais como:
• 73% dos entrevistados, que podem ser categorizados como trabalhadores por conta de outrem com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos,ainda conseguem justificar comportamentos não éticos para ajudar um negócio a sobreviver;
• 25%dos mesmos entrevistados ainda conseguem justificar a realização de pagamentos indevidos para manter ou ganhar negócio; ou,
• 49% dos mesmos entrevistados acreditam que os seus colegas estariam dispostos a agir de forma não ética para garantir a sua progressão profissional.
Ainda mais interessante é o facto de o estudo referir quea referida geração,com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos (e que cresceu em conjunto com a difusão do conhecimento), ser a que mais propensão tem para justificar comportamentos menos éticos, seja para ajudar um negócio a sobreviver, para cumprir objetivos, ou para garantir uma progressão profissional.
Logo, e apesar de este estudo poder apenas ser considerado como indicativo pelas suas características, parece indiciar não existir uma relação entre uma maior literacia, ou um maior acesso a informação, e uma maior tendência para a existência de comportamentos éticos. No limite, aparenta mesmo indiciar que as gerações que historicamente apresentam um maior grau de literacia, i.e., as que cresceram em conjunto com a difusão do conhecimento, são aquelas que conseguem mais frequentemente justificar comportamentos não éticos…
Na verdade, estes indicadores parecem-me ser suficientemente preocupantes para que a sociedade reflita sobre os mesmos e sobre os valores que estão a ser adotados para a sociedade de amanhã, que previsivelmente será uma sociedade de conhecimento.