Embora a montagem da geringonça tenha surpreendido muita gente, a verdade é que tudo na lógica dos números apontava para essa solução de governo. Se o PS de Costa tinha sido ultrapassado pelo PSD, aliado ao CDS (36% contra 32%), ao contrário do que acontecera a Seguro nas eleições europeias, a verdade é que Costa tinha à mão de semear os resultados do Bloco (10%) e os do PCP (8%) que lhe permitiam obter facilmente a maioria no parlamento. O negócio revelou-se muito frutuoso para o PS, que neste momento está nas sondagens à beira da maioria absoluta, enquanto que os partidos do centro-direita ainda não conseguiram encontrar o registo de oposição adequado, tendo por isso ficado para trás.
O problema está, no entanto, no Bloco e no PCP, que não crescem eleitoralmente e por isso em nada estão a aproveitar do negócio. Tendo acordado em dar o seu apoio a um governo PS sem o integrarem, em nada capitalizam com as medidas do governo, mesmo quando estas são populares, como por exemplo o aumento do salário mínimo ou a reversão salarial dos funcionários públicos. Em contrapartida assistem paralisados a medidas do governo que vão ferozmente contra as suas convicções políticas, como a venda do Novo Banco por tuta-e-meia ou a aceitação da construção de um novo armazém de resíduos radioactivos na central nuclear espanhola de Almaraz.
O PS tem dado alguns rebuçados a estes partidos, ao deixar passar algumas das suas propostas radicais, como o imposto Mortágua ou o regresso ao congelamento das rendas, lavando as mãos das suas consequências económicas para o país. Agora, no entanto, resolveu pela primeira vez dizer que não na questão da reversão da reforma laboral. Com isto o PCP ameaça voltar à rua, tendo a CGTP já ameaçado com uma greve geral. Essa greve geral é ridícula, já que os partidos de extrema-esquerda têm nas mãos a sorte do governo, bastando para tal uma moção de censura no parlamento, que o centro-direita obviamente apoiaria. Só que, como a extrema-esquerda tem presentemente medo de eleições, onde seria esmagada, prefere ir para a rua em protestos inconsequentes.
António Costa disse há dias que “tinha derrubado o último resquício do muro de Berlim” quando conseguiu o apoio desses partidos. Tem toda a razão. A queda do muro de Berlim é a derrota do comunismo e esses partidos, ao subscreverem o acordo com o PS, assinaram a sua própria rendição.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira
