Donald Trump “candidato da Manchúria”?


A eleição de presidentes como George W. Bush (2000-2008) e agora de Donald Trump – tão parecidos com «políticos manchus» manipulados pelos seus conselheiros – confirma que os piores cenários continuam a ser possíveis, numa democracia em dramática regressão


A muito plausível «Russian connection» da campanha eleitoral que levou Donald Trump à presidência dos EUA, e que terá envolvido financiamentos obscuros e várias acções de desestabilização da candidatura de Hillary Clinton, alimenta a suspeita de que Trump – derrotado nas urnas mas eleito pelo maior número de «grandes eleitores» que obteve – pode ter sido mais um «candidato da Manchúria», infelizmente bem sucedido. Mas o que é um «candidato da Manchúria»? É o que passo explicar já de seguida.

Em Fevereiro de 1932, depois de invadir e ocupar militarmente a Manchúria, o Japão decidiu criar a república fantoche de Manchukuo, com um Governo chefiado pelo antigo imperador chinês Pu Yi (esse mesmo, o do filme «O Último Imperador»!), que voltaria a ser proclamado imperador em Março, mas não passava de uma marioneta manipulada pelo poder militar nipónico. Foi a partir deste episódio histórico que a expressão «candidato da Manchúria» passou a ser usada como metáfora de «candidato fantoche» ou «político marioneta», cujos cordelinhos são manipulados à distância ou nos bastidores por forças ocultas de vária natureza: militar, política, económica e financeira.

A consagração dessa metáfora deve-se, sobretudo, a um livro publicado em 1959 pelo escritor norte-americano Richard Condon, intitulado «The Manchurian Candidate», considerado o primeiro grande romance sobre «lavagem ao cérebro». Mas foi a notável adaptação deste romance ao cinema por John Frankenheimer, em 1962, que celebrizou a metáfora. Quando li o livro e vi o filme, no final da década de 1960, percebi a razão pela qual a direita norte-americana mais reaccionária criticara com tanta violência a exibição do filme. Apesar da «lavagem ao cérebro» ter sido praticada na Coreia por comunistas chineses, o «candidato da Manchúria» é fabricado por eles em colusão com a direita americana mais extremista e militarista, disposta a tudo, inclusive ao crime, para tomar o poder e impor, nos EUA, um regime político musculado e belicista.

Em 2004, o «remake» do filme de John Frankenheimer realizado por Jonathan Demme adapta a obra aos conturbados tempos da primeira Guerra do Golfo (1991). A «lavagem ao cérebro» já não é levada a cabo durante a Guerra da Coreia (1950-1953), mas durante essa primeira invasão do Iraque por George Bush (pai). E já não é feita por peritos comunistas, mas por cientistas a soldo de uma gigantesca corporação empresarial fictícia, designada «Manchurian Global», que funciona como metáfora dos grandes grupos multinacionais ligados às indústrias da Defesa, do Petróleo, das Telecomunicações, da Construção Civil e etc., que se alimentam do gigantesco «complexo militar-industrial» denunciado pelo Presidente Eisenhower no final do seu segundo mandato, em 1961.

General que se distinguiu durante a II Guerra Mundial e membro do Partido Republicano, Dwight Eisenhower (1890-1969) incitou o povo norte-americano a «estar de sobreaviso contra a obtenção de uma influência injustificada, deliberadamente procurada ou não, por parte do complexo militar-industrial». A seus olhos, era já evidente «o potencial para o aumento desastroso de um poder incontrolado», resultante da «conjugação de um gigantesco sistema militar com uma poderosa indústria de armamento».

O aviso de Eisenhower foi feito há mais de meio século, mas foi profético! A eleição de presidentes como George W. Bush (2000-2008) e agora de Donald Trump – tão parecidos com «políticos manchus» manipulados pelos seus conselheiros – confirma que os piores cenários continuam a ser possíveis, numa democracia em dramática regressão!

 

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