Aberrações políticas à la carte


Já com os pés na pátria, constato que a maior aberração política é o acordo ortográfico de 1990, com que o então PM Cavaco Silva quis sentar-se à mesa com os países de língua oficial portuguesa.


O estado do mundo não é de fiar. Está a precisar do colo de Nossa Senhora de Fátima, como aconselha a ex-militante estalinista Zita Seabra, convertida à religião de São Paulo depois de ter percorrido afanosamente a sua “estrada de Damasco”.

Uma visita virtual ao número 1600 da Avenida Pensilvânia, em Washington D.C., confirma as minhas apreensões. A Casa Branca foi ocupada por um trio de loucos furiosos e freaks racistas – Donald Trump, Steve Bannon e Kellyanne Conway –, sem dúvida as mais perigosas aberrações políticas da actualidade. De acordo com vários psicólogos, Donald Trump sofre de “narcisismo infantil”, e um estudo efectuado pela Universidade Carnegie Mellon conclui que ele “fala como uma criança” e só fica à frente de Bush filho por uma unha negra, “ao nível de uma criança entre o quinto e o sexto ano” de escolaridade. Ou seja: o mundo está mesmo perigoso!

No Palácio da Alvorada, em Brasília, a coisa também está preta. A residência oficial dos presidentes brasileiros foi abandonada por Michel Temer, o ridículo chefe de Estado não eleito de uma república das bananas, levando consigo mulher e filho: Marcela e Michelzinho. Disse Temer: “A energia não era boa. A Marcela sentiu a mesma coisa. Só o Michelzinho, que ficava correndo de um lado para outro, gostou. Chegamos a pensar: será que aqui tem fantasma?” Não era fantasma, não. Era só fantasminha, paizão! Era o seu Michelzinho a correr dum lado para o outro!

Passemos a Bruxelas, sede da União Europeia. Como se já não bastasse o hilariante luxemburguês Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia furiosamente beijoqueiro e dado a alegrias pós-prandiais esfusiantes, irrompeu agora o até há dias todo-poderoso presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, serventuário do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, a proferir invectivas contra os meridionais, deste jaez: “Não posso gastar todo o meu dinheiro em álcool e mulheres e continuar a pedir ajuda.” Suspeita-se que a metáfora deste holandês encaracolado – de um partido da Internacional Socialista que foi sovado nas recentes eleições – lhe ocorreu depois de uma visita às montras do famoso Bairro Vermelho de Amesterdão. Ou seja, a UE continua nas mãos de políticos aberrantes, supostamente abstémios e misóginos, que desprezam os países do sul e estão acorrentados à serventia dos diktats alemães. É grave.

Já com os pés na pátria, constato que a maior aberração política é o acordo ortográfico de 1990, com que o então PM Cavaco Silva quis sentar-se à mesa com os países de língua oficial portuguesa (“palopes”) para partilhar com eles um “pato de estabilidade” (ortográfica). Só que, 27 anos depois, nada se passou como ele desejava e o “pato” (sem laranja) é um fiasco político, linguístico, social, cultural, jurídico e económico. O AO90, em que abundam aberrações de todo o tipo, é, aliás, mais um dos “monstro” gerados pela governação de Cavaco Silva (o mais famoso dos quais é o da dívida pública). E aqui vão, tão- -só, dois exemplos.

O primeiro é o da eliminação arbitrária do uso do hífen. Que me pôs a suspeitar da razão pela qual a expressão “cor-de-rosa” tem hífen e a expressão “cor de laranja” não tem! Terá sido uma profecia política que só agora se consumou, com o traço de união entre o partido cor-de-rosa (PS) e a maioria parlamentar de esquerda que aguenta o governo?! E o partido cor de laranja (PPD-PSD) terá ficado sem hífen porque ameaça desmoronar-se?!

O segundo é o da supressão arbitrária do acento agudo, a provocar situações hilariantes. Veja-se o caso da expressão popular “Alto e pára o baile” (isto é, “stop”). Escrita com acento agudo antes do AO90, passou a escrever-se sem acento agudo – “Alto e para o baile” (isto é, “go”) – na grafia do AO90. Como escreveu Nuno Pacheco, no “Público”: “O disparate é livre, mas para quê abusar?” Perante a indiferença dos cidadãos, os paninhos quentes dos académicos e a cumplicidade dos partidos, será que vamos ser meros “espetadores” (sem espeto) da perpetuação deste atentado contra a língua e a cultura portuguesas, pela via do facto consumado?!

Escreve à sexta-feira