“Tudo em Sintra é divino. Não há um cantinho que não seja um poema”, escreveu Eça de Queirós, em 1888, na sua obra ‘Os Maias’. Quem percorre Sintra a pé está sempre a encontrar novos estabelecimentos e várias curiosidades sobre a vida deste local. No entanto, alguns espaços tornam-se referências obrigatórias em todos os versos, compondo verdadeiras odes à beleza da vila que os acolhe. É o caso do Café Paris.
Aberto desde 1925, a localização deste estabelecimento fez dele um ponto de paragem obrigatório. Virado para o Palácio Nacional de Sintra, quem se senta neste café é ‘obrigado’ a conviver com a História da vila – este palácio foi construído no século XIII, aproveitando as bases de uma antiga construção árabe. Acolheu a Casa Real portuguesa ao longo de várias gerações, chegando mesmo a ser, nos últimos anos do regime monárquico, a residência de verão da rainha-mãe D. Maria Pia.
No entanto, apesar da sua ligação física ao que resta da monarquia, este era um local frequentado por pessoas que defendiam uma ideologia completamente diferente: “No início, antes de ser denominado Café Paris, este espaço serviu, segundo crónicas da época, para jantares de confraternização de grupos de Republicanos”, explicou ao i Lígia Duarte, do departamento de comunicação da Silva Carvalho Restauração, empresa responsável atualmente pela gestão do Café Paris.
O estabelecimento foi passando por várias fases, passando de um local usado para encontros políticos para um café de convívio familiar: “A partir dos anos 50/60, o Café Paris passou a ser frequentado, sobretudo na época de verão, por pessoas ligadas à alta burguesia”, que costumavam ter casas de férias em Sintra e passar longas temporadas nas praias dos arredores desta vila, como a Praia Grande ou a Praia da Adraga.
De presidentes a escritores O Café Paris recebeu centenas de personalidades ao longo das últimas décadas. De acordo com Lígia Duarte, os antigos Presidentes da República Mário Soares e Jorge Sampaio foram duas das figuras que passaram por aquele café.
“O antigo primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, embaixadores de países como Estados Unidos da América, China e França, os estilistas Emanuel Ungaro, Ana Salazar, Fátima Lopes e a atriz Glenn Close foram algumas das personalidades que estiveram no Café Paris”, afirma. “Tivemos aqui também vários políticos da esquerda e da direita, como [um dos estrategas do 25 de Abril] Otelo Saraiva de Carvalho e [o fundador do CDS] Freitas do Amaral”, acrescenta.
Também o historiador José Hermano Saraiva, os músicos Pedro Abrunhosa e Teresa Salgueiro e o automobilista Ayrton Senna são outras das personalidades das mais diferentes áreas que por ali passaram.
Mas a figura que frequentava mais assiduamente o Café Paris era o escritor José Maria Ferreira de Castro. Nascido em 1898, na aldeia de Salgueiros, freguesia de Ossela, em Oliveira de Azeméis, o autor de ‘A Selva’ teve uma vida repleta de viagens – a primeira de todas logo aos 12 anos, quando emigra para o Brasil e vive na Amazónia. No entanto, foi em Sintra que Ferreira de Castro escreveu a maior parte da sua obra. Como forma de agradecimento, o escritor doou o seu espólio à vila em 1973 (um ano antes de morrer).
Diz-se que Ferreira de Castro, todas as tardes, antes de beber a sua ‘bica’ no Café Paris, ficava algum tempo na esplanada do Palácio Nacional a olhar para a Serra de Sintra – provavelmente já a pensar no local onde queria ser sepultado, no sítio onde “desejaria ficar para sempre, entregue à proteção da sua poesia inesquecível e da sua beleza inefável”, escreveu. Acabou por ser enterrado na serra, em 1974, “sob as velhas árvores românticas que ali residem e tantas vezes contemplei com esta ideia no meu espírito”, como descreveu.
“O escritor Ferreira de Castro era um assíduo frequentador do Café Paris”, recorda Lígia Duarte. “Escolhia sempre o mesmo lugar para se sentar – uma mesa redonda junto à janela que dava para o Paço Real do Palácio Nacional de Sintra. Os clientes que o conheciam sabiam que aquele era o seu lugar. Se estivessem sentados na referida mesa ou o convidavam ou levantavam-se para a ceder”, explica. Resta saber se os primeiros rascunhos de obras como ‘A Lã e a Neve’ ou ‘Missão’ foram escritos enquanto contemplava a vila que tanto amava, através das janelas do café que todos os dias o acolhia.