O negócio de 24 milhões de euros que culminou na compra da VEM – Varig Engenharia e Manutenção pela TAP está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A investigação sobre a gestão da TAP foi desencadeada em 2014 por uma denúncia anónima. Nesta compra esteve envolvido Diogo Lacerda Machado, o consultor do governo que assessorou agora as negociações de reversão da TAP.
Na altura em que foi conhecida a investigação, a PGR confirmou que estavam a decorrer investigações, mas sublinhou que estavam em segredo de justiça, não sendo possível especificar o objeto do processo.
Quase dois anos depois, a PGR adiantou ao i que as investigações ainda decorrem: “Confirma-se apenas que existem investigações relacionadas com a TAP e que essas investigações estão em segredo de justiça, não sendo possível especificar o objeto do processo.”
A denúncia incidia no processo de privatização falhado da TAP em 2012, que terminou com o fim da proposta apresentada por Germán Efromovich. Mas a exposição ao Ministério Público centrava-se também na compra da unidade de manutenção no Brasil à Varig, em 2005, uma empresa que estava falida.
Em novembro de 2005, quando o negócio da VEM ficou fechado, a Varig já estava envolvida em vários processos judiciais, o que implicou a separação de negócios do grupo. No início, a TAP ficou com apenas 15% da VEM e os restantes 85% ficaram com a Geocapital, uma sociedade de investimentos de Stanley Ho. Em 2007, a Geocapital acabou por sair do negócio e a TAP comprou a totalidade.
Uma das questões que têm vindo a ser levantadas várias vezes é o facto de o negócio ter avançado sem aval do Ministério das Finanças. Por esta altura, o secretário de Estado do Tesouro, Carlos Costa Pina, fez saber que precisava de documentos que validassem a compra da VEM. No despacho de 2007 falava mesmo “da ausência de elementos suficientemente conclusivos para uma decisão final”.
Num despacho assinado em 2009, Carlos Costa Pina questiona ainda a administração de Fernando Pinto sobre o prémio de 20% à Geocapital: pagou 25 milhões de dólares em vez dos 21 milhões de dólares inicialmente previstos.
A investigação que prossegue parece envolver também este prémio de quatro milhões pagos à Geocapital, da qual Diogo Lacerda Machado era administrador.
A verdade é que Diogo Lacerda Machado, amigo de António Costa, agora responsável pelo dossiê da TAP, era membro da administração da antiga VEM e membro da Geocapital entre 2005 e 2007, altura em que esta empresa encaixou 21 milhões de dólares e os 20% de prémio – neste caso, mais de quatro milhões pagos pela TAP para adquirir 85% da VEM.
Em questão fica o motivo para o pagamento do prémio. Se a aquisição tivesse sido feita até 2006, a TAP teria de pagar à Geocapital apenas os 21 milhões aplicados pela sociedade de investimentos na VEM. Se o negócio só acontecesse após essa data, acrescia a esse valor um bónus de 20%. Foi o que aconteceu.
À SIC, a Geocapital explicou que este valor não foi pago como prémio, mas sim como forma de cobrir os custos de mobilização.
Nas investigações à TAP, a PGR ouviu Fernando Pinto, presidente da TAP, e muitas outras testemunhas, nomeadamente funcionários da empresa. Também Mário Lino, ex-ministro dos Transportes, foi ouvido.
Há pouco tempo, Diogo Lacerda Machado explicou que “o investimento feito em conjunto pela TAP e pela Geocapital não foi nem é ruinoso para a TAP”. E explicou ainda as razões que justificaram o negócio: “A estratégia que na altura levou a TAP a investir na VEM foi decisiva para permitir à TAP posicionar-se como a maior companhia aérea estrangeira no Brasil.”
Mas, de acordo com as contas, o negócio não podia ter sido mais ruinoso para a companhia aérea portuguesa. De acordo com a Parpública, só durante o ano de 2014, a VEM deu prejuízos na ordem dos 22 milhões de euros.
Os prejuízos acumulados somam, aliás, largos milhões de euros. As demonstrações financeiras da TAP Manutenção e Engenharia Brasil, de 2010 e 2011, registadas num cartório brasileiro, mostram que há uma dependência total da TAP. Em 2014, de acordo com a SIC, o prejuízo acumulado chegava a 514 milhões de euros.
Fernando Pinto assumiu no início do negócio que o investimento só podia dar resultado no futuro – e não seria um futuro próximo. O plano de compra da VEM passava pela recuperação de investimento num prazo de cinco a oito anos, avançou o “Público”, citando uma carta enviada às Finanças em 2007 que garantia o retorno da aquisição da VEM.
A verdade é que desde 2009 que Fernando Pinto, em vários eventos e entrevistas, garantiu que a VEM estava prestes a atingir o “break-even”, o ponto a partir do qual o projeto começa a dar lucro. No entanto, o negócio continuou a pesar nas contas da transportadora aérea nacional até aos dias de hoje.
O i tentou, sem sucesso, contactar Diogo Lacerda Machado.
Homem de confiança de Costa fica à frente de negociações com acionistas privados da TAP
O primeiro-ministro garantiu que a TAP voltava para as mãos do governo e rapidamente começaram as negociações para reverter o processo de privatização, que chegaram a bom porto. Foi anunciado um memorando de entendimento que determina que o Estado fica com 50% do capital da empresa. As negociações ficaram a cargo de Diogo Lacerda Machado.
Uma das questões que mais levantaram dúvidas no acordo entre governo e acionistas privados foi a entrada de capital chinês na TAP, explicada por David Neeleman há poucos dias: “Como nós informámos, os chineses investiram na Azul [companhia aérea] e a Azul vai fazer o investimento na TAP. As ações que eles vão ter serão através do investimento da Azul na TAP.”
No entanto, as negociações continuaram a gerar acesas discussões, principalmente no seio do PSD, que pediu no mês passado para ouvir Diogo Lacerda Machado no parlamento, alegando que se trata da pessoa certa para falar sobre o acordo que permitiu fumo branco na TAP.
“Entendemos que é o momento de o dr. Diogo Lacerda Machado, o negociador, vir ao parlamento explicar aos deputados e ao país exatamente o que está no acordo, que implicações, que responsabilidades e compromissos o Estado assumiu e quais foram as contrapartidas que foram dadas aos acionistas da Gateway em troca deste novo acordo”, afirmou à Lusa Luís Leite Ramos, vice–presidente da bancada do PSD.
O papel de Diogo Lacerda Machado nas negociações já tinha sido questionado, depois de o semanário “Expresso” noticiar que o homem de confiança de Costa tinha sido contratado pelo atual governo para o processo de reversão da privatização da companhia aérea.
O i tentou perceber junto dos vários ministérios implicados qual o vínculo formal de Diogo Lacerda Machado ao governo, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.