Barroso. “Tenho pena de nunca ter medido a velocidade do meu remate


Falar em Barroso é falar em remates que furavam as redes e as luvas dos guarda-redes. Foi marceneiro até assinar o primeiro contrato profissional com o Sp. Braga, aos 18 anos. Diz que construiu a carreira com as próprias mãos, sem empresários nem ajudas. Mas foi a força do pé direito que o deixou na…


Falar em Barroso é falar em remates que furavam as redes e as luvas dos guarda-redes. Foi marceneiro até assinar o primeiro contrato profissional com o Sp. Braga, aos 18 anos. Diz que construiu a carreira com as próprias mãos, sem empresários nem ajudas. Mas foi a força do pé direito que o deixou na história do futebol português.

Quando é que percebeu que chutava com tanta força?
Foi logo em miúdo. Naquela altura jogava-se futebol na rua e na escola, nos recreios. As bolas boas eram poucas. E as que havia, além de serem fracas, eram muito pesadas. Sempre que jogávamos tínhamos de as lavar para não se estragarem. Antes não havia tantos carros e a gente jogava muitas vezes na rua.
Chegou a rebentar muitas bolas?
Quando chutava contra as paredes rebentava algumas, rebentava, eheh.
E quando passou a jogar mais a sério deu logo muito uso ao pontapé?
O primeiro ano que joguei futebol foi nos iniciados do Sp. Braga. Marquei bastantes golos, tanto de livre como em remates fora da área. Com 13 anos foi a primeira vez que joguei futebol federado. Nunca tinha jogado num campo real, de futebol, só na rua e naqueles campos de cultivo que havia antes. Fui às captações do Sp. Braga e acabei por ficar.
A que posição jogava na altura?
Médio, era médio interior esquerdo.
Treinava muito a marcação de livres?
Na formação, sempre: finalização, remates de longe. No futebol profissional, menos, era mais para aperfeiçoar, porque há muitos dias em que as coisas também não saem bem e aí não vale a pena insistir.
Sabe quantos golos marcou ao longo da carreira?
Se não me engano, tenho entre 58 e 60.
Desses, quantos foram de bola parada?
Não sei, mas digo já: tenho pena é de nunca ter feito um golo de cabeça! Até era um jogador forte no jogo aéreo, mas os treinadores só me usavam nesse jogo mais para defender.
E com o pé esquerdo, marcou algum?
Com o pé esquerdo… que me lembre, também não, mesmo tendo um bom pé esquerdo. Penso que não era cego.
Vamos até ao ponto de partida:estreou-se na Liga num dérbi minhoto, certo?
Foi em Guimarães, num Vitória 0, Braga 0 [a 5 de Maio de 1991]. Na altura jogava no satélite do Sp. Braga, o Arsenal, e o treinador que me lançou foi o Carlos Garcia. Joguei 15 minutos.
Nessa altura, a rivalidade com o Vitória já era muito grande?
Já, já. Sempre houve uma grande rivalidade e vai continuar a haver. Mas são dois grandes clubes. Não tenho dúvidas quanto a isso.
Defrontou muitas vezes o Sporting, com quem o Braga joga este domingo. Lembra-se da primeira?
Não tenho a certeza…
Foi em 1992, em Alvalade.
Então marquei um golo!
Não, o primeiro golo foi só em 1995.
É isso, então foi aí, foi aí.
Perdeu 3-1 em Alvalade, mas marcou o golo do Braga, num livre a 40 metros da baliza.
É isso. Mas graças a Deus, o Sporting sempre foi um bom cliente para mim. Marquei-lhes cinco ou seis golos.
Nas minhas contas estão cinco. Tem ideia dos outros? O segundo foi mais caricato [pelo FC Porto, numa vitória do Sporting nas Antas por 2-1]. Teve uma ajudinha de um guarda-redes do Sporting [De Wilde].
Ajudinha, não! Ele é que não conseguiu segurar a bola, tal como os outros não seguravam.
Era como Cajuda lhe dizia, “Bastava acertar na baliza”?
Ele dizia-me isso, sim, que mesmo que fosse na direcção do guarda-redes, ele dificilmente agarrava a bola. De facto, às vezes as pessoas diziam que eu nem tinha a noção da velocidade que a bola levava.
Nunca lhe mediram isso?
Sinceramente tenho pena, mas não. Agora vê-se muitas vezes isso. Na altura não havia nada, só a bola e o campo, e a transmissão televisiva, muitas vezes, era fraca. Gostava de ter visto. Ainda por cima rematava com bolas que eram muito mais pesadas. Imagino com uma destas!
De pontapé em pontapé foi parar ao FC Porto. Como surgiu a transferência?
O mais caricato é que se falava no meu nome para qualquer um dos grandes, mas o mais interessado era o Benfica do Artur Jorge. Certo é que as conversas eram sempre entre presidentes. Do Benfica ninguém falava comigo, a não ser o professor Neca [adjunto de Artur Jorge], que me telefonava às oito da manhã.
Às oito da manhã?
Sim, porque sabia do interesse do FC Porto. Ligava-me antes do treino a dizer para eu ir para o Benfica. Eu respondia-lhe que não dependia só de mim. Também me lembro de se falar que eu ia para o Sporting. Foi nesse ano [1995] que marquei o golo ao Costinha. Quando ia aquecer, o Sousa Cintra mandou chamar-me ali à entrada do túnel. Depois perguntaram ao Queiroz se eu interessava ou não ao Sporting. Ele, como toda a gente tinha visto o Sousa Cintra falar comigo, disse que já não interessava.
Porquê?
O que ele queria dizer era que o segredo é a alma do negócio. Depois fui para o FC Porto. As coisas foram rápidas e eles foram muito correctos comigo. Ainda para mais, na altura, o Sp. Braga precisava muito de dinheiro e o Benfica, pelo que eu sabia, só dava quatro jogadores em troca. O FC Porto pagou 500 mil euros. As pessoas do Sp. Braga pediram-me para ir para o Porto porque precisavam do dinheiro para pagar salários e tudo.
E foi duas vezes campeão em dois anos.
O primeiro ano foi muito bom. Ganhei a Supertaça ao Benfica, com 1-0 nas Antas e 5-0 na Luz. Depois, no campeonato, só comecei a jogar à terceira, quarta ou quinta jornada, porque os resultados não estavam a aparecer. Fiz uma grande época, fomos aos quartos-de-final da Liga dos Campeões e fomos campeões – foi o primeiro tri da história do FC Porto. No ano a seguir, enfim, estava a contar que as coisas fossem melhores. Não foram, porque na altura começaram as SAD e foi contratado o jogador Doriva, que custou 700 mil contos (3,5 milhões de euros). A partir daí só jogava quando ele não podia. Acabei por fazer só nove jogos, marquei um golo, se não me engano. E depois fui embora. Disseram-me que não era pelo meu valor, mas por outras situações.
Quais?
Foi na altura em que vieram o Peixe e o Costinha, que tinham rescindido com o Sporting [foram para o Dragão por troca com Bino e Rui Jorge]. A partir desse momento, para entrarem uns tinham de sair outros, não é? Foi aí que saí.
A bem ou a mal?
Nesse aspecto, nunca tive problemas ne-nhuns. As pessoas foram correctas comigo, eu também fui assim com elas. Nada a apontar. A relação com o presidente, por exemplo, sempre foi boa. O presidente do FC Porto é um presidente espectacular e vai continuar a sê-lo.
Ele disse alguma coisa?
Ele, não. Falaram outros. Mas nunca ia cuspir num prato onde comi! Nunca na minha vida.
Antes de regressar ao Sp. Braga ainda faz uma época na Académica…
Sim, na altura em que saí do Porto havia várias hipóteses. Uma delas era o Celta de Vigo. Um dia estava em La Guardia, na Galiza, a comer um mariscozito, e ligaram-me os jornais de Vigo a falar da transferência. Não sabia de nada. Também tive o interesse do Marítimo, que era treinado pelo Augusto Inácio. As coisas não se proporcionaram e optei pela Académica, com o Raul Águas. O meu primeiro jogo até foi contra o Sporting, empatámos 2-2 (bis de Maurício; Simão e Edmilson).
E depois volta a casa.
Estava em Coimbra, acabava o contrato. No final da época, o presidente João Gomes de Oliveira ligou-me, queria que regressasse porque o balneário estava complicado. Quando saí do Braga, era capitão e lembro-me de o presidente dizer assim: “O treinador Manuel Cajuda diz que pode não vir mais nenhum reforço, mas tu tens de vir.” Eu tinha outras opções, mas o coração falou mais alto. Vim de Coimbra com o meu amigo e falecido Pedro Lavoura, que também foi para o Sp. Braga.
E na segunda época depois de voltar, em 2000/01, acaba no quarto lugar.
É o ano em que o Fehér joga em Braga.
E foi a melhor época dele em Portugal, marcou 14 golos no campeonato.
E houve uma parte da época em que nem sequer jogou! Os piores momentos da minha carreira foram, sem dúvida, perder o Lavoura e o Fehér. Os melhores foram vários, mas trocava-os se desse para não lhes ter acontecido aquilo. O Lavoura morreu uma semana antes do início dessa época. Íamos jogar com o V. Guimarães na primeira jornada. E ganhámos por 1-0. Sabes quem marcou? O Fehér.
Uns tempos mais tarde, quando faz um golo ao Sporting, levanta a camisola para dedicar o golo ao Fehér. Porquê?
A foto desse momento está na casa do Fehér na Hungria, oferecida pelo Sp. Braga. Fiz isso porque o Miklos tinha ido do Braga para o FC Porto e naquela altura não jogava. Acho que não aceitava o contrato e depois foi posto de lado até ir para o Benfica. Nesse jogo, como ele estava no estádio, fiz uma dedicatória na camisola [“Para ti, Fehér”]. Mas já que estamos numa de tristezas e alegrias, aproveito para falar na Taça de Portugal, em 97/98, que ganhei pelo FC Porto… ao Sp. Braga. Ao ver aquela gente toda de Braga, não foi nada fácil. Mas se estou numa casa tenho de lutar por ela, não é?
É, claro. Depois ficou no Sp. Braga até ao fim da carreira, em 2004/05. E despede-se com outro quarto lugar.
Nesses seis anos conquistámos dois quartos lugares, um quinto e fomos à Europa. Foram lugares de grande mérito. E as condições em 2000, por exemplo, não tinham nada a ver com o que existe agora.
Pois é. Esteve na mudança do 1.º de Maio para o novo estádio. Como foi?
As condições não têm nada a ver com as de antigamente. Antes tínhamos de ir treinar fora, a campos vizinhos, muitas vezes até no pelado, porque não se podia estragar o relvado. Depois joguei dois anos no novo estádio. Uma coisa que tentei ver se conseguia era marcar lá um golo, mas não consegui. Estive quase, mas não deu.
Ainda vai muitas vezes ao estádio?
Sempre que posso. Agora, como tenho treinos e jogos em Vieira do Minho, muitas das vezes não posso ir, sobretudo quando é à semana.
E que tal vai essa carreira de treinador?
As pessoas reconhecem o meu trabalho, respeitam-no. Isso é o mais importante.
Mas no ano passado entrou já perto do fim da época e não evitou a descida do Vieira aos distritais.
Foi o último mês, as coisas estavam muito difíceis. Para mim era fácil nem ter ido, mas nunca tive medo dos problemas. Fiz o meu trabalho, as pessoas gostaram e agora vamos continuar à espera de uma oportunidade para outros voos. Ninguém vai a lado nenhum se não lhe derem oportunidades. Quando acabei a carreira, já tinha o segundo nível de treinador. Depois fiz o terceiro e, em 2004, o quarto com o Paulo Bento, o Paulo Sousa, o Rui Barros, o Rui Vitória, o Luís Miguel, que agora esteve no Paços de Ferreira, o Paulo Alves, o Rui Bento… A qualidade está lá, é preciso é oportunidades.
Gostava de treinar o Braga?
Claro que é o sonho. Mas em primeiro lugar não depende de mim. Agora sei que ainda tenho de continuar a trabalhar. Penso que não sou nem o melhor treinador nem o pior. Se algum dia me derem a oportunidade, posso mostrar o meu valor.


Fale-me lá daquela história das diarreias que os Gato Fedorento aproveitaram há uns tempos para ridicularizar.
Mas o que eu tinha naquela altura, de facto, era diarreia. É diarreia! É o que se diz em português: di-a-rre-ia. Não é mais nada, é diarreia. E as pessoas gostaram disso, ainda bem. Também gostaram dos chineses do Paulo Futre e espero que, de mim, também tenham gostado da diarreia. Agora até eu me rio quando vejo isso. As pessoas é que não estão habituadas a que se chame as coisas pelos nomes!

Sp. Braga-Sporting, este domingo, às 20h15
na SportTV 1